O governo federal indicou que pretende sancionar até sexta-feira (31) a prorrogação da desoneração da folha de pagamento para os 17 segmentos que mais empregam no país. Nesta quarta-feira (29), o relator-geral do orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), informou em áudio a que GZH teve acesso que um acordo foi selado entre as áreas política e econômica para permitir que o presidente Jair Bolsonaro dê seu aval ao texto.
O Ministério da Economia ainda busca recursos no orçamento que possam permitir tal medida, o que causa apreensão entre algumas lideranças setoriais no Estado. Na hora da aprovação do orçamento da União, a verba para a desoneração ficou ausente da peça, mesmo que a iniciativa tivesse sido acordada e aprovada pelo Congresso.
A ideia, explica Leal, é que, com isso, legalmente, um novo pedido de desoneração não seria configurado, e sim a continuidade da medida que vigora desde 2012 em benefício das empresas e da geração de empregos. A manobra também anularia, segundo o relator, a necessidade de inclusão de justificativas que apontam a dotação orçamentária para as compensações, estimadas entre R$ 5 bilhões e R$ 8 bilhões, sem previsão para 2022.
Assim, a indicação da origem dos recursos seria feita mais tarde, em janeiro, por meio de indicações do próprio governo no orçamento, via PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional). Esse foi um dos embriões de toda a confusão gerada nas últimas semanas sobre a continuidade ou não da substituição do recolhimento da contribuição previdenciária (20% sobre os salários) por uma fatia da receita bruta das empresas (fixada entre 1% e 4,5%).
A medida tem efeito sobre 6 milhões de empregos no país e é considerada crucial para evitar cortes e incentivar novas contratações. No entanto, conforme o parlamentar, durante as discussões na comissão de orçamento, a previsão de recursos da desoneração não foi anexada ao relatório das receitas.
— O Ministério da Economia não incluiu esse quadro. O relatório foi aprovado e, depois, a mudança poderia ter sido feita com indicação ou ofício do ministério, o que não ocorreu. O orçamento foi votado e aprovado e uma indicação de demonstrativo de gastos tributários foi incluída, entretanto, sem indicar a fonte dos recursos, o que deveria ter sido feito pelo governo federal — comenta.
Sempre que há uma desoneração (renúncia de tributos) por parte do governo, é necessário que a previsão dos recursos seja estipulada no orçamento. Nesta quarta, faltando dois dias para o fim da desoneração da folha, uma série de especulações sobre essa origem foi aventada. Entre elas, está a possibilidade de ampliar a sobretaxa do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), válida até o dia 31, para empresas e pessoas físicas, até 2023.
Recursos
Advogado tributarista, consultor de entidades empresariais gaúchas e coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), Rafael Pandolfo chama atenção para outro fator que tem sido desconsiderado. É que, na criação da desoneração, ela foi atrelada ao aumento (alíquota majorada em 1%) da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) de importação.
— Eu gostaria de rever essa conta porque tivemos uma apreciação do dólar com relação ao real e a necessidade de importação de matéria-prima, o que deve ter aumentado o valor arrecadado — argumenta.
De fato, o Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT-Ploa) de 2020 indica que a arrecadação compensatória decorrente do emprego e da renda é estimada em R$ 11,36 bilhões. O cálculo aponta R$ 4 bilhões em recolhimento do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), R$ 1,38 bilhões do IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física) do empregado, R$ 3,56 bilhões do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e R$ 2,39 bilhões do PIS e Cofins do consumo das famílias.
Soma-se a isso a arrecadação compensatória da alíquota adicional de 1% da Cofins de importação, estimada em R$ 1,62 bilhão. Chega-se, portanto, a R$ 12,95 bilhões, montante que supera em R$ 2,54 bilhões a renúncia fiscal de R$ 10,41 bilhões apontada pela Receita Federal para a desoneração da folha naquele ano.
O tributarista acrescenta que a “lambança” dificulta o planejamento das empresas para o calendário seguinte. A imprevisibilidade sobre os salários, diz, interfere nos empregos e nos resultados do próximo ano, com a redução de eventuais dividendos distribuídos.
— Há um efeito cascata que expõe a fragilidade com que o sistema tributário é tratado pela classe política. Tributar a folha de salários é tributar empregos. Sinalizar às empresas que elas terão elevação de custos em cada emprego gerado me parece um total despropósito — pontua.
Setores ainda temem o desfecho das negociações
Enquanto o Ministério da Economia conta os trocados para chegar a uma compensação possível para a previsão orçamentária da prorrogação da desoneração, setores diretamente envolvidos com a medida no Estado calculam eventuais prejuízos com a retirada do benefício. Indústria gaúcha mais afetada, a calçadista estima em R$ 600 milhões o prejuízo anual, caso o cenário não seja revertido.
Presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira enxerga com preocupação o atraso na sanção presidencial. Segundo ele, o fato traz insegurança jurídica para a atividade. Por outro lado, afirma que segue acreditando na palavra do presidente Jair Bolsonaro, que se comprometeu a sancionar o projeto aprovado no Congresso Nacional.
— Apesar da preocupação com o imbróglio criado a partir da não previsão da medida no orçamento, acreditamos na resolução do impasse, caso contrário, teríamos não somente uma freada na criação de postos de trabalho, mas uma onda de demissões. Seria um balde de água fria na recuperação da atividade — revela.
Na construção civil, umas das indústrias que mais gera empregos no país, o presidente do Sindicato dos Construtores do Estado (Sinduscon-RS), Aquiles Dal Molin Junior, acrescenta que o término da desoneração colocaria o setor à beira de uma nova crise.
— A expectativa é elevada, dada a importância da medida, ainda mais em um ano desafiador como é o de 2022, em razão da inflação, que tende a crescer e forçar o aumento da taxa Selic — explica.
Nesse cenário, comenta, a construção, que depende de juros baixos para crescer, necessita da prorrogação para evitar mais um custo adicional às empresas, já bastante tensionadas pelo preço dos materiais. Para o dirigente, o mercado já não consegue absorver os aumentos verificados nos insumos.
— Chegamos ao limite, em razão da inflação as pessoas também não obtiveram reposição real de renda em 2021 nas negociações salariais. Então, os repasses não estão sendo feitos e as margens de lucros estão espremidas ao máximo — complementa.
Já o presidente da Federasul, Anderson Cardoso, lembra que, em 2021, foi perdida a oportunidade de promover uma “verdadeira” reforma administrativa, capaz de reduzir o custo da máquina pública federal, e uma reforma tributária para simplificar o sistema e aumentar a competitividade das empresas brasileiras:
— Infelizmente, como não realizamos nenhuma dessas duas reformas, a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos é essencial para que não tenhamos impactos negativos nos setores abrangidos. Uma pena estarmos encerrando o ano com essa indefinição para o setor produtivo — lamenta.