O Rio Grande do Sul ganhou, em média, 297 novos microempreendedores individuais (MEIs) por dia na pandemia. De março a agosto, segundo o Portal do Empreendedor mantido pelo governo federal, o Estado registrou a criação de 54,4 mil negócios com este enquadramento. O volume representa avanço de 9,3% em relação aos 49,8 mil MEIs que se formalizaram e iniciaram suas atividades no mesmo período em 2019.
O desempenho está em sintonia com o nacional. No país, surgiram 944,7 mil empreendedores individuais no período, elevação de 12,2% frente a 2019. No Estado, o diretor-superintendente do Sebrae-RS, André Godoy, avalia que o incremento é puxado por empreendedores que enxergaram oportunidade de formalizar um negócio e, em muitos casos, se voltaram ao atendimento de demandas surgidas em meio à crise sanitária.
— Muitas atividades típicas de microempreendedores individuais se fortaleceram na pandemia, como serviços de delivery, de manutenção e as com foco no atendimento nos bairros. Algumas dessas atividades viram a demanda “explodir” nos últimos meses.
Necessidade
Entre os 54,4 mil novos MEIs gaúchos também há os que foram levados a empreender por necessidade. Isso aconteceu com Lucas Mota, de Porto Alegre, que em abril criou a distribuidora de alimentos Atom. Com 15 anos de experiência na área de vendas, ele atuava com carteira assinada no setor comercial de uma indústria desde janeiro. Três meses depois, impactada pelo coronavírus, a empresa fez uma série de demissões e Mota perdeu o emprego.
– No início, fiquei sem saber o que fazer. No passado, tinha pensado em abrir uma empresa e, meio no impulso, decidi começar algo do zero em um mercado que já tinha algum conhecimento – explica.
Os R$ 900 da rescisão serviram para comprar um estoque de balas, chocolates, paçocas e outros itens que começaram a ser distribuídos em estabelecimentos como supermercados e lojas de conveniência no Litoral Norte e na Região Metropolitana. Aos poucos, a demanda cresceu e Mota adicionou produtos naturais ao portfólio.
A empreitada vem dando certo. Em cinco meses, a Atom contabiliza cerca de 500 clientes e, em breve, deverá pedir a migração do enquadramento jurídico para microempresa. O negócio deve romper a faixa máxima de faturamento do MEI, hoje de R$ 81 mil anuais ou limitada proporcionalmente a R$ 6,7 mil mensais para os formalizados no ano em curso. No caso de Mota, o limite de receita em 2020 seria em torno de R$ 60 mil.
O contexto de recessão no país, confirmado após dois trimestres seguidos de queda no Produto Interno Bruto (PIB), é apontado por economistas como um dos fatores que pode contribuir para manter a criação de MEIs aquecida. Como reflexo da crise, o Rio Grande do Sul acumula perda de 95 mil postos de trabalho até julho, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Os cortes foram concentrados entre março e junho. Em julho, o saldo voltou a ser positivo: 1,2 mil vagas.
– Para muitas pessoas que perderam seus empregos, o MEI acaba sendo uma estratégia de sobrevivência. É uma alternativa para a formalização de um negócio com baixo custo – analisa Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre.
Economista e professor da Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos), Guilherme Stein avalia que o montante total de negócios formalizados no Estado de março a agosto não pode ser considerado ponto fora da curva, já que se manteve em nível similar ao verificado no ano passado. Ainda assim, caso a geração de empregos formais volte a ganhar impulso, a criação de novos MEIs pode perder fôlego.
– Com o mercado de trabalho recuperando o dinamismo, a tendência é de que parte dessas pessoas que se viram forçadas a entrar em algum tipo de negócio por conta própria acabem retornando para um emprego formal – diz.
Saída da informalidade
Durante a pandemia, o plano secundário de Roberto Carlos Moraes, de Santa Cruz do Sul, acabou se tornando sua principal fonte de renda. Em março, ele trabalhava como vendedor em uma empresa de tintas e, à noite, fazia entregas de comida com sua moto.
Até que apareceu uma oportunidade de atuar como entregador por tempo integral, prestando serviço para uma rede de farmácias. Para isso, pediu demissão do emprego e se registrou como microempreendedor individual (MEI) para poder realizar o serviço de maneira formal, já que esta era uma exigência do contratante.
Como no caso de Moraes, o MEI acaba sendo uma alternativa para uma série de trabalhadores por conta própria saírem da informalidade, garantindo acesso à seguridade social e possibilitando atingir a um público consumidor maior. Atualmente, o Brasil tem 10,7 milhões de empreendedores individuais ativos, sendo 653,8 mil no Rio Grande do Sul.
– Tinha receio de trocar o certo pelo duvidoso. Esperei para fazer a formalização assim que consegui o contrato com essa rede de farmácias – relata Moraes.
Com o crescimento do delivery de medicamentos e produtos de higiene, está vendo sua demanda crescer a cada mês. Atualmente, chega a fazer 50 entregas por dia, o que já lhe garante um faturamento bruto próximo dos R$ 10 mil ao mês. Por conta dessa situação, em breve irá mudar o enquadramento para microempresa. Ele ainda pretende contratar funcionários e investir em nova moto para fazer as entregas.