A decisão do governador Eduardo Leite de vender ações do Banrisul não é nova, mas o formato escolhido e os recentes desdobramentos indicam mudanças em relação a ofertas anteriores. A razão disso – embora o Palácio Piratini não se manifeste sobre o assunto – é viabilizar dinheiro o mais rápido possível para desafogar o caixa, quitar salários e criar condições políticas para o envio de projetos indigestos à Assembleia.
Entre as propostas, estão mudanças nos planos de carreira dos servidores, cortes de benefícios funcionais e alterações previdenciárias. Nos bastidores, a avaliação é de que não há clima para aprovar tais medidas se os contracheques do Executivo seguirem parcelados. Além disso, Leite se comprometeu, nas eleições, a regularizar os pagamentos até o fim de 2019. A alienação de papéis do banco – classificada como "queima de patrimônio" pelos críticos – faz parte do plano do governador para tentar honrar a promessa (embora, para isso, descumpra outra).
Em 9 de setembro, o Banrisul anunciou ao mercado a intenção do Estado, seu controlador, de vender 96,3 milhões de ações ordinárias (com direito a voto em assembleias), de um total de 201,2 milhões. Diferentemente do que ocorreu na gestão de José Ivo Sartori, Leite optou por restringir a proposta a investidores profissionais.
Isso significa que, dessa vez, pessoas físicas que não atuem como gestores autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou que não tenham R$ 10 milhões em ativos estão impedidas de participar. A opção, na avaliação de analistas, reflete a urgência do governo por recursos. É uma forma de acelerar os trâmites.
— A oferta restrita a um determinado público acaba facilitando o processo, porque há menos exigências regulatórias. Parte-se do princípio de que o investidor profissional tem mais conhecimento e noção dos riscos. Então, é possível pular etapas. É uma maneira de chegar mais rápido ao recurso — explica o analista-chefe da Geral Asset, Carlos Müller.
A premência também pode ser a explicação por trás das alterações informadas ao mercado na madrugada de quarta-feira (18). Em novo comunicado oficial, o volume de ações à venda foi reduzido para 71,3 milhões e o cronograma, postergado. O movimento, segundo Müller, é um indício de que o governo não conseguiu os valores que esperava. Considerando o preço da ação no fechamento do pregão do dia 9 e a primeira quantidade ofertada, seria possível atingir R$ 2,2 bilhões. Agora, a tendência é de que o ganho do Estado fique entre R$ 1,3 bilhão e R$ 1,5 bilhão.
Ainda assim, Leite decidiu manter a operação, ao contrário do que fez Sartori, em dezembro de 2017 – à época, o ex-governador acabou desistindo porque as condições foram consideradas desfavoráveis. A postergação é considerada pouco comum no mercado.
— Não lembro de outra ocasião em que uma oferta desse tipo tenha sido postergada, como agora. Geralmente, a operação é cancelada, por falta de demanda ou por preço insuficiente (caso fique abaixo do valor patrimonial, o gestor pode ser responsabilizado). Me parece que, se o governo não estivesse desesperado, cancelaria a operação e tentaria de novo em outro momento. A mensagem que passa é: vamos diminuir um pouco o volume e tentar um preço melhor, porque precisamos do dinheiro — diz Müller.
Mesmo que o aporte não passe de R$ 1,5 bilhão, pode ajudar Leite a reorganizar o fluxo de caixa, ainda que de forma temporária – segundo o último informe financeiro do Estado, a insuficiência mensal é de R$ 1,27 bilhão. Se o governador quiser, pode quitar a folha de agosto (faltam R$ 780 milhões) e, ao menos, encaminhar a de setembro (R$ 1,5 bilhão).
A decisão do Piratini de levar o negócio adiante é criticada pelo ex-presidente do banco Mateus Bandeira, adversário de Leite no pleito de 2018, e por um grupo de deputados de diferentes partidos. Nesta quinta-feira (19), esses parlamentares planejam lançar um manifesto contra a venda, considerada "mau negócio".
— Como gaúcho, lamento que um ativo tão importante esteja se desvalorizando devido à pressa do governo. O mercado fareja isso e é natural que especule em cima. A gente ainda espera que o governador tenha a grandeza de rever essa operação. Se ele acha que, com isso, vai ter mais força na Assembleia para aprovar as reformas, está enganado — afirma o deputado estadual Fábio Ostermann (Novo).