Os jogadores de futebol americano passaram pela marca das 40 jardas no campo de grama sintética, gritando, pulando e agitando os braços para levar os torcedores ao delírio. Porém, não havia estádio nem torcida naquele dia, apenas um estúdio parecido com um celeiro, um animador dirigindo a cena de celebração e alguns técnicos de computação gravando os movimentos de dezenas de câmeras de alta velocidade apontadas para os 65 marcadores reflexivos presos aos uniformes dos jogadores.
Embora a temporada da Liga Nacional de Futebol Americano (NFL, na sigla em inglês) tenha acabado de terminar, a EA Sports está ocupada preparando a próxima versão de "Madden NFL", o jogo campeão de vendas cujo lançamento em agosto representa o início extraoficial da próxima estação. Para animar os fãs a pagarem 60 dólares pela edição mais recente, a EA Sports gastou horas incontáveis e recorreu às habilidades de especialistas técnicos, atletas e do próprio John Madden para reproduzir o jogo integralmente.
Boa parte do que é feito para acrescentar novos detalhes a cada ano se baseia na meia dúzia de dublês contratados para representar os milhares de elementos do evento esportivo e do próprio jogo. Os computadores seriam capazes de simular os movimentos, mas demoraria mais tempo, dinheiro e, no final das contas, os resultados teriam a aparência de algo criado por uma máquina.
A popularidade do jogo de videogame, que já existe há um quarto de século e vendeu mais de 100 milhões de cópias, depende de seu realismo, da passada do jogador ao suor em suas sobrancelhas.
- O esporte é tão complicado e têm tantos detalhezinhos individuais que, para fazê-lo de uma maneira que não o torne repetitivo a cada jogada, é preciso de um batalhão de animadores tentando resolver esse problema. Os animadores podem atribuir peso e velocidade e lidar com esse tipo de coisa, mas eles não têm necessariamente a cabeça de um jogador de futebol americano como esses caras, e isso tem nos ajudado bastante - afirmou Jason Danahy, diretor de animação do "Madden NFL".
A atenção aos detalhes do "Madden NFL" é uma contribuição enorme para o campeonato e os jogadores, uma vez que eles recebem dezenas de milhões de dólares em royalties. O videogame também ajuda a introduzir o esporte a fãs que talvez não o acompanhassem, especialmente já que alguns pais não estimulam a prática do futebol americano por questões de segurança.
Existem simuladores de jogos em abundância, mas poucos chegaram aonde o "Madden NFL" chegou. Ele tem sido o jogo esportivo mais vendido nos últimos quatro anos e está na lista dos três campeões de vendas desde 1995, de acordo com Liam Callahan, analista do NPD Group, uma empresa de pesquisa em marketing. No ano passado, o jogo gerou 27% dos 900 milhões em vendas de jogos esportivos para videogames.
Além disso, ele entrou para a cultura de massa, em parte como consequência da popularidade de Madden, o ex-técnico da NFL e comentarista de TV que, nos anos 80, concordou em ajudar a desenvolver um jogo de videogame desde que ele fosse similar à vida real.
- Existem pessoas que me conhecem como 'técnico'. Mas a última vez que foi técnico de uma equipe foi em 1978. Depois me tornei comentarista na CBS, Fox, 'Monday Night Football' e no 'Sunday Night Football'. Em seguida vieram os videogames. Geralmente, reconheço as pessoas que me conhecem pelo videogame porque elas me chamam apenas de Madden - afirmou Madden.
Os jogadores da NFL falam sobre o quanto adoram o jogo (e o quanto gostam de verem a si mesmos nele), e algumas de suas características - como os círculos em torno dos jogadores - passaram a fazer parte das transmissões pela TV. Antes de cada Super Bowl, a EA Sports simula um jogo entre os dois times e acertou oito dos 10 últimos campeões. (Todavia, a previsão deste ano não foi tão bem sucedida: a EA Sports afirmou que os Denver Broncos ganhariam na prorrogação por 31 a 28. Os Seattle Seahawks triunfaram por 43 a 8.)
- Durante muito tempo os videogames eram meros coadjuvantes, mas agora são uma peça chave. É uma faca de dois gumes, já que a experiência em casa se tornou tão boa, que as pessoas têm outra razão para não irem ao estádio - declarou Carl Goodman, diretor executivo do Museu da Imagem em Movimento, em Nova York, que criou uma exposição sobre a história do "Madden NFL".
Em parte, o hiper-realismo do Madden é o resultado de consoles e softwares cada vez mais sofisticados. No entanto, o jogo está intimamente ligado ao campeonato. O "Madden NFL" é conhecido informalmente como "o 33º time ", já que seus desenvolvedores recebem as mesmas imagens que os técnicos dos 32 times todas as semanas durante o torneio.
- Especialmente nos últimos 10 anos, a EA se tornou uma de nossas maiores parceiras, não apenas no que diz respeito ao dinheiro, mas também ao número de torcedores que ela atrai e mantém. É muito importante para nós, porque há todo o momento ouvimos pessoas dizendo que não acompanhavam a NFL, mas começaram a jogar o Madden - afirmou Tim Langley, diretor de produtos para o consumidor da NFL.
Embora a EA Sports tenha uma licença exclusiva para usar nomes, jogadas e outros elementos do campeonato, a NFL faz a supervisão editorial. Langley e outras pessoas vetam milhares de páginas de roteiros gravados e deletam diálogos inapropriados, como os palavrões mais pesados.
Jogadas ilegais não são permitidas no videogames - mesmo com as penalidades que as acompanham - apesar de outros esforços no sentido de o jogo se tornar mais realista. Isso ocorre não apenas em função do zelo da liga com a própria imagem, mas também da insistência de Madden para que o jogo seja empolgante e educativo. Ele ainda ajuda os programadores da EA Sports a identificarem tendências para acrescentar ao jogo.
- O objetivo é o de fazer um jogo de videogame idêntico ao que se passa na TV. Não se trata de um jogo para crianças, mas de um jogo de futebol americano que as crianças também jogam - afirmou Madden.
O jogo de videogame existe há tanto tempo que alguns dos dublês nasceram depois que a primeira edição foi lançada em 1988. Outros, como Omar Nazel, que jogava na defesa da Universidade do Sul da Califórnia, mas nunca chegou à NFL, afirmam que se apaixonaram pelo esporte depois dos primeiros encontros com o videogame.
- Sempre joguei videogames e não sei fazer nada a não ser estar dentro dele. Esse é um elemento fundamental para muitas coisas na minha vida - afirmou Nazel, que foi um dos dublês em um comercial da Nike estrelando Calvin Johnson, o receptador dos Detroit Lions.
Embora as semelhanças com quarterbacks como Tom Brady e Peyton Manning encham as cenas do videogame, os jogadores da NFL não representam a si mesmos em função do risco de lesões. Alguns dos dublês eram jogadores, como Nazel, que têm experiência profissional, mesmo que não tenham chegado à NFL.
Um jogador da NFL pode ser atingido e dar algumas voltas no ar uma vez ou outra ao longo da temporada. Contudo, Nazel e seus colegas podem passar pela mesma situação diversas vezes na mesma sessão. Por isso, um socorrista está sempre de plantão, bem como um treinador para ajudar os atletas a se alongarem.
Entretanto, a maior parte do que os jogadores fazem é muito mais simples. Nazel e outro jogador, Matt Spanos, por exemplo, passam 15 minutos em oposições opostas na linha de ataque. Eles apontam para o campo como os jogadores de verdade fariam e se comunicam antes da jogada. Eles também precisam agachar, parar e levantar. Durante a sessão, Nazel foi instruído a pular fora do alvo.
Então, Clint Oldenburg, ex-atacante que se tornou designer da EA Sports, mostrou a eles a gravação de um jogo entre os Indianapolis Colts e os Miami Dolphins em um telão. Oldenburg, que estava concentrado como Mike Pouncey, meio-campista dos Dolphins, encarou o ataque.
- Quero recriar isso. Esse jogador deve ter domínio sobre você a ponto de fazer você desistir de continuar - Oldenburg lhes disse.
Depois que Spanos empurrou Nazel para trás, Nazel abaixou a cabeça fingindo estar envergonhado.