No amplo escritório onde trabalha em Porto Alegre, José Galló mantém quatro TVs ligadas durante todo o expediente. Nas telas, nada de programas de auditório, novelas ou telejornais. Em exibição, um reality show exclusivo: imagens ao vivo captadas nos corredores de todas as 200 filiais das Lojas Renner no país.
Assim, o executivo leva ao pé da letra o ditado popular segundo o qual "é o olho do dono que engorda o boi". Nos monitores, Galló também confere de perto como anda o faturamento dos pontos de venda: cada um deles também mostra gráficos de vendas.
A cena reflete a preocupação da empresa com o freguês. Nem o presidente da companhia, que costuma ter a agenda cheia de reuniões e compromissos, tira o olho do que é o mais importante: o cliente
"Não basta satisfazer, é preciso encantar" é o mantra que Galló costuma repetir aos vendedores. Mas o encantamento aos clientes não é o único segredo do sucesso da empresa que começou como indústria de confecções em São Sebastião do Caí e hoje é uma das maiores companhias de varejo de moda do país. A regra de ouro mesmo tem outro nome: adaptação. A empresa passou por diversas transformações para chegar ao que é.
Foi assim em 1965, quando as lojas de roupas se desmembraram da fábrica, e seguiu assim dois anos depois, quando se tornou uma das primeiras empresas gaúchas de capital aberto. As mudanças mais intensas ocorreram de fato nas duas últimas décadas. Boa parte delas colocada em prática já na gestão de Galló, na empresa há 22 anos.
Foi pelas mãos do empresário que a Renner deixou de ser uma grande loja de departamentos, que vendia de móveis a vestuário, para se especializar em moda. A estratégia, que a princípio gerou ceticismo por parte da direção, deu certo. As varejistas que vendiam de tudo, tão comuns na década de 1980, desapareceram.
- Sobreviveu quem se adaptou. A Renner foi uma delas, ao apostar em vestuário feminino - lembra Vilson Noer, presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo.
Treze lojas haviam sido abertas entre a entrada de Galló na Renner, em 1991, até a empresa ser vendida à JC Penney, gigante do varejo dos Estados Unidos, em 1998. A venda marcou o fim da era familiar e deu gás para a expansão dos negócios. Em sete anos, foram mais 43 unidades.
- O período deixou lições, principalmente de processos. Como era preciso estar adaptado à legislação americana, muito mais rígida, aperfeiçoamos os sistemas - conta Galló, que assumiu a presidência em 1999.
Em 2005, mais mudanças. Os americanos deixaram o negócio, e a Renner passou a ser, na prática, uma empresa sem dono. Pulverizou o controle e tem hoje 7,2 mil acionistas. E deu outro salto: mais 136 unidades. E já ensaia outros voos. Em 2011, comprou a Camicado e agora lança a Youcom, de moda jovem.
- A Renner cultiva há décadas DNA próprio, investe em atendimento ao cliente e isso faz um sucesso - avalia Marcelo Prado, diretor do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi).
Compromisso com o resultado
Ninguém representa tão bem as mudanças pela qual a Renner passou quanto o atual presidente, José Galló. Em 21 anos, o executivo já se viu trabalhando para um negócio familiar, em uma subsidiária americana e em uma companhia de capital pulverizado, tudo na mesma empresa. Quando questionado sobre os desafios de comandar em cada um desses cenários, aparentemente tão diferentes, Galló explica:
- A fórmula é exatamente a mesma. É preciso ser transparente sempre, seja com o patrão que está na sala ao lado, seja com o acionista que está do outro lado do oceano.
Uma pausa rápida, e o executivo completa a frase com o detalhe que faz toda a diferença:
- E entregar resultados, claro. Nesses 20 anos, nunca deixei de entregar para ver o que acontecia.
De fato, o investidor que acreditou na pulverização acionária da empresa em 2005 tem razão para estar satisfeito. No período, o faturamento das lojas cresceu 205% e os papéis se valorizaram 818%, um ótimo desempenho, principalmente em uma fase em que a bolsa de valores brasileira avançou apenas 110%.
- A Renner sempre esteve atenta aos sinais que o mercado dava e mudava quando era preciso. Foi isso que garantiu a sobrevivência e o crescimento do negócio. Não é exagero dizer que hoje a empresa tem a cara do Galló. Ele provavelmente vai dizer que os bons números são resultado do trabalho em equipe, mas a verdade é que um líder inquieto é fundamental - afirma Vilson Noer, presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo.
Isso não significa, no entanto, que a companhia está livre de desafios. A Renner está presente em praticamente em todos os Estados - só falta Roraima ganhar uma loja -, mas ainda segue bastante concentrada nas capitais.
- De certo modo, a marca ainda está muito regionalizada. Tanto a Renner quanto outras grandes concorrentes, como C&A, Riachuelo e Marisa, são pouco capilarizadas, só chegam aos grandes centros. Ainda há muito espaço para crescer, o que também é uma oportunidade - afirma Marcelo Prado, diretor do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi), que acompanha de perto a indústria têxtil.
O analista Alberto Serrentino, da consultoria especializada em varejo GS&MD, aponta outro desafio bastante urgente:
- O setor como um todo ainda está muito atrasado no comércio digital. Já atua, mas de forma tímida. A Renner começou com uma linha secundária, como perfumaria, e agora avança aos poucos, a passos lentos. Nos Estados Unidos, isso já está totalmente disseminado. Agora é a nossa vez.
Perfil
Fundação: 1912
Presidente: Jose Galló
Número de lojas: 200. A marca está presente no Distrito Federal e em todos os Estados brasileiros, exceto Roraima.
Funcionários: 15.400
Faturamento em 2012: R$ 3,9 bilhões
Lucro líquido em 2012: R$ 355,4 milhões ante R$ 336,9 milhões em 2011 (+ 5,5%)
Valor estimado da empresa: R$ 8 bilhões
Número de acionistas: 7.200, a maioria deles nos Estados Unidos e na Europa.
Um século de história
1912 - Têm início as atividades fabris do empresário Antônio Jacob Renner (à esquerda, em foto dos anos 60). O produto de lançamento - um poncho mais amplo, com gola fechada e tecido impermeável - foi um sucesso.
1916 - A sede da fábrica é transferida de São Sebastião do Caí para o bairro Navegantes, em Porto Alegre.
1922 - É aberto o primeiro posto de venda da fábrica, na Rua Dr. Flores, em Porto Alegre. Com o passar do tempo, a Renner inclui departamentos de eletroportáteis, bazar e artigos para presente, móveis, utensílios para o lar, artigos esportivos, cama, mesa e banho.
1945 - A primeira loja de departamentos é inaugurada na esquina das ruas Otávio Rocha e Dr. Flores, na Capital.
1965 - A Lojas Renner desvincula-se do grupo fabril. Os pontos de venda passam a tomar um formato mais próximo do atual, sem incluir a linha de eletrodomésticos e móveis.
1967 - Renner torna-se uma empresa de capital aberto.
1971 - Lojas Renner superam a marca de 500 mil clientes com crediário, aproximadamente metade da população da Capital.
1976 - A tradicional loja do Centro pega fogo. Dezenas de pessoas ficaram feridas e 41 morreram. Um mês depois, os escombros do prédio foram implodidos.1978 - A matriz reabre as portas.
1991 - José Galló ingressa na empresa, que se especializa em moda.
1995 - A primeira loja fora do Estado é aberta, em Santa Catarina.
1997 - Estreia em São Paulo.
1998 - Em dezembro, a JC Penney Brazil Inc., subsidiária de uma das maiores redes de lojas de departamentos dos EUA, adquire o controle acionário da Renner. A companhia contava com 21 unidades.
2005 - As Lojas Renner entram no Novo Mercado da Bovespa como a primeira companhia no país a ter capital pulverizado - sem dono - e cerca de 100% das ações em circulação. A Renner tinha 64 lojas.
2006 - Inicia-se a atuação no Nordeste, com abertura de lojas em Pernambuco, Bahia e Ceará. Ao longo do ano, a companhia chega a 81 pontos de venda.
2007 - Começa a atuação no Norte, com abertura de loja em Manaus.
2010 - Início do e-commerce. Alguns dos produtos oferecidos nas lojas físicas passam a estar acessíveis pela internet.
2011 - Em um retorno ao segmento de de bazar deixado para trás, a Renner consolida a compra da Camicado Houseware, focada no segmento de casa e decoração.
2013 - A Renner lança a Youcom, loja que investe no público jovem e com presença maciça nas redes sociais.