No encerramento da série sobre a crise da Europa, irlandeses acuados por impostos e desemprego deixam o país ou buscam consolo em pubs.
Depois de terminar 2011 com aumento de imposto de renda e a notícia de que o governo pretende cortar 23 mil empregos no setor público até 2015, este ano começou ainda mais caro para os irlandeses. Suportam o peso do novo valor do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, que passou de 21% para 23%, e se preparam para arcar com um novo tributo sobre propriedades - equivalente ao IPTU brasileiro.
Um país que tem emigração em massa como parte da história e que já teve dias de glória como Tigre Celta - referência ao crescimento rápido do início dos anos 2000 - agora é mais uma vítima da turbulência econômica. Que, mais uma vez, muda a vida de seus cidadãos. Sean OSaor, 30 anos, bancário, não consegue ver na Irlanda um futuro para sua carreira.
- O banco em que eu trabalhava perdeu mais da metade dos lucros, e muitos perderam promoções e o emprego. Nossos clientes eram irlandeses e estrangeiros que estavam com grandes problemas. Então, decidi deixar o país antes que ficasse ainda pior - conta.
OSaor vive há ano e meio em Luxemburgo, país da zona do euro que ficou praticamente imune à crise e continua a ter a maior renda per capita do mundo.
- Eu tenho um projeto. Quero abrir um negócio, mas não acredito que seja possível na Irlanda. A crise está matando os que têm ambição e empurrando o país de volta ao comportamento conservador em busca de segurança - explica.
Casa da família vira refúgio
Aos 25 anos, Christopher Coventry, assistente de gerente no varejo, quis investir na compra de um imóvel antes da crise, e o fez por meio de um banco. Quando a bomba econômica estourou, vendas e comércio foram afetados, sua renda diminuiu com os impostos e com a redução nas horas de trabalho. Não achou outro emprego que permitisse pagar a casa comprada dois meses antes:
- Eu fui mal orientado pelo banco, que disse ser o momento certo para comprar imóveis. Eles só queriam empurrar financiamento. Ao renegociar, só ofereceram 8% de redução. Passei a trabalhar mais por menos e cheguei a dormir no chão na casa dos meus pais.
Coventry deixou família e amigos para viver no Canadá, onde trabalha na mesma função. Só assim está conseguindo pagar o financiamento da casa.
- Precisei deixar a Europa em busca de trabalho. Se depender da minha vontade, não volto nunca mais - afirma.
Stephen Dunne perdeu o emprego de consultor em empresa de recrutamento.
- Tive de morar com minha mãe. Aos 25 anos, não deveria mais estar dependendo dela - lamenta.
Stephen Cullen é dono de uma loja de conveniência ao norte do condado de Dublin. Os moradores passaram a comprar em grandes supermercados, e trabalhadores, a levar suas refeições, o que diminuiu o movimento de sua loja.
- Tive sorte de conseguir renegociar o aluguel do prédio, que reduziu 40% nesses quatro anos. Se o proprietário não entendesse minha situação, eu teria perdido meu negócio - relata.
É impossível falar da Irlanda sem lembrar de seus pubs, hoje refúgios da tensão. Mesmo num momento de fazer economia, esse gasto tem sido difícil de cortar. O pint, copo com 500ml de cerveja, ainda custa de 5,50 euros a 6,10 euros. É comum ouvir um irlandês dizer que gastou 150 euros numa noite.
* O jornalista Leandro Rocha, 32 anos, vive na Irlanda há cinco anos. Natural de Campo Grande (MS), é estudante de Marketing.
Europa sob mau tempo
Acuados por impostos e desemprego, irlandeses preferem deixar o país
Tigre Celta teve que aumentar impostos e estuda criação de novos tributos
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