
Uma doença silenciosa, não detectável em exames e com impacto significativo na qualidade de vida de muitas mulheres: a fibromialgia afeta cerca de 3% da população brasileira, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). A condição atinge predominantemente o sexo feminino. Estima-se que a cada 10 pacientes, sete a nove sejam mulheres.
Sem sintomas visíveis nem exames capazes de comprovar a existência da doença e a intensidade da dor que ela provoca no corpo, muitas vezes as queixas das pacientes com fibromialgia são desacreditadas. No mês da mulher, Donna convida a reumatologista Aline Ranzolin, membro da comissão científica de dor da SBR, para explicar sobre a doença e seus desafios.
— Por ser uma doença que não causa nenhuma deformidade e que não leva para cadeira de rodas, na grande maioria das vezes as mulheres que sofrem de fibromialgia seguem suas vidas apesar da dor. E isso faz algumas pessoas pensarem que o seu sintoma não é tão importante, quando na verdade existe um sofrimento muito grande. Muitas vezes são alvo de comentários ao estilo "Como assim que você está sentindo dor se está fazendo as coisas no seu dia a dia?" — afirma.
A fibromialgia é caracterizada por uma dor difusa que afeta o corpo inteiro e não vai embora – um dos principais critérios para diagnosticar a doença é justamente a presença de dor difusa há mais de três meses.
Os sintomas ocorrem porque o local onde é processada a dor, o sistema nervoso central, composto por cérebro e medula espinhal, apresenta um distúrbio que faz com que estímulos sejam interpretados de forma amplificada. Estímulos comuns como frio, calor, aperto e toque também podem ser sentidos como dor entre os que sofrem dessa condição.
— Isso acontece também com órgãos internos, é comum o paciente ter cólicas abdominais, ir ao gastroenterologista e não ter nada, ou então sentir dor no peito e não encontrar uma causa para ela, etc. Então é uma percepção alterada da dor feita pelo cérebro, sem que haja algum problema no músculo, no nervo, nas juntas — diz a reumatologista.
Em alguns casos acontece da mulher sofrer uma violência, um assalto, uma infecção e a partir dali passar a desenvolver sintomas de fibromialgia. Às vezes a fibromialgia vem depois de uma doença reumática.
ALINE RANZOLIN
Além da dor, pacientes podem sofrer de cansaço excessivo, distúrbios no sono, perda de memória, dificuldades de concentração, ansiedade e até depressão. Segundo Aline, embora a fibromialgia seja mais comum em mulheres, a causa dessa prevalência não é completamente compreendida:
— Provavelmente haja alguma questão genética que contribui para um processamento anormal de dor.
Sem exames específicos, o diagnóstico da fibromialgia é feito essencialmente através da conversa entre paciente e especialista, exame físico e análise dos sintomas. Também é feita a exclusão de outras hipóteses, já que condições como a deficiência de vitamina B12, alterações da tireoide e doenças reumáticas provocam sintomas semelhantes ao da fibromialgia.
— Muitas vezes o diagnóstico de fibromialgia leva anos para ser dado, e durante esse tempo, a dor persiste silenciosa — relata a médica.
Impactos na vida
Há alguns sintomas específicos de mulheres com a condição. A fiibromialgia pode provocar dor pélvica e na hora da relação sexual, além da diminuição de libido. A dor para fazer sexo é chamada de dispareunia e, às vezes, ocorre por conta de vaginismo (contração involuntária dos músculos da vagina), de contraturas ou de secura vaginal acentuada, fatores que fazem com que a relação íntima fique prejudicada.
As pacientes também podem sentir um aumento dos desconfortos durante o período menstrual:
— Qualquer sintoma de dor fica maior na paciente com fibromialgia, então pacientes que tem sintomas de TPM como cólicas ou dor mamária podem sentir mais dores do que quem não tem a doença — afirma a médica.
A jornada de dor constante fica mais desafiadora quando observados aspectos sociais, diz a especialista. A mulher, que frequentemente acumula o trabalho e as tarefas domésticas e de cuidado com filhos, idosos, companheiro, está sobrecarregada tanto física quanto emocionalmente. Esse contexto tem impacto direto na qualidade de vida das pacientes.
— Impacta tanto se o trabalho for mais braçal como intelectual. Às vezes, a pessoa que conseguia ter uma capacidade de memória boa passa a não ter mais. Imagine uma professora que precisa ter o intelecto preservado para conseguir organizar as coisas e dar a aula, e começa a ter dificuldades para memorizar. A fibromialgia tem impacto até na vida pessoal, com tarefas domésticas que antes ela conseguia fazer e agora não consegue mais — exemplifica Aline.
Gatilhos e tratamento
Ainda não se sabe ao certo os fatores que ocasionam a doença, mas pesquisadores tem percebido certa hereditariedade nos casos. Segundo a reumatologista, é comum que pessoas com fibromialgia tenham familiares com a doença ou outras síndromes correlacionadas, como enxaqueca, síndrome do intestino irritável, depressão e ansiedade. Estímulos intensos como estresse físico ou emocional também podem contribuir para desencadear a doença.
— Em alguns casos acontece da mulher sofrer uma violência, um assalto, uma infecção e a partir dali passar a desenvolver sintomas de fibromialgia. Às vezes a fibromialgia vem após uma doença reumática. Mas muitas vezes há nada, a pessoa simplesmente começa a sentir dor, sem nenhum gatilho.
Embora a fibromialgia não tenha cura, o tratamento pode ser eficaz na redução dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida das pacientes. A abordagem mais importante, segundo a médica, é a não-medicamentosa, que inclui o exercício físico regular.
No entanto, as mulheres com fibromialgia devem começar devagar, com atividades aeróbicas leves, como caminhada e alongamento, para evitar o agravamento da dor, e progressivamente incluir atividades como a musculação na rotina
A higiene do sono e as terapias psicológicas, especialmente as cognitivas comportamentais, também são recomendadas, abordagens que ajudam as pacientes a aprender a lidar com a dor e a reduzir o estresse. Vale tentar se organizar para dormir sempre no mesmo horário, em ambiente escuro, sem telas, comidas pesadas e bebidas alcóolicas antes de se deitar. Em alguns casos, antidepressivos e anticonvulsivantes podem ser prescritos para controlar os sintomas.
Embora existam poucas informações acerca da prevenção, sabe-se que a doença pode estar relacionada ao cuidado com a saúde física e mental. Para pessoas que possuem familiares com histórico da doença, por exemplo, a prática regular de exercícios físicos pode reduzir a probabilidade de desenvolver sintomas.
— Exercícios físicos ajudam a prevenir o aparecimento da fibromialgia, ou, se a doença se manifestar, os sintomas serão mais brandos — orienta Aline.