É difícil não se contagiar pelo entusiasmo com que Camila Pitanga fala de seu novo trabalho, a novela Beleza Fatal, que estreou na plataforma Max em 27 de janeiro. O folhetim é o primeiro produzido pelo streaming e assenta a volta da atriz às novelas, após passar quase uma década afastada do gênero — a última novela dela havia sido Velho Chico, de 2016, que ficou marcada pela trágica morte do ator Domingos Montagner.
Contudo, o período não foi sabático para Camila Pitanga. A atriz esteve em espetáculos teatrais, atuou em produções como a série Aruanas, da Globo, e se aventurou na apresentação do programa Superbonita, do GNT. Mas estava longe do gênero que fidelizou sua imagem junto ao público, o que vinha sendo sentido tanto por ela quanto pelos fãs.
— Estava com muita saudade — conta a atriz. — Curiosamente, também vinha sendo uma constante as pessoas dizerem que sentiam falta de me ver nas novelas, perguntarem quando voltaria. Esse coro carinhoso estava mexendo muito com o meu coração — completa.
Para a alegria dos espectadores, Camila Pitanga está de volta. E não é exagero dizer que voltou com tudo. A atriz está irretocável na pele de Lola, a carismática e impiedosa vilã de Beleza Fatal. A personagem é dona da rede de clínicas estéticas Lolaland, um verdadeiro império no mercado da beleza, construído sobre um alicerce de trapaças, crimes, deslealdade e ambição.
— Os caminhos dela para chegar onde queria foram tortos, abjetos, mas vejo humanidade ali — defende a atriz. — A Lola é uma sobrevivente, alguém que teve uma infância difícil, que sofreu determinadas violências, mas conseguiu dar a volta por cima. No fundo, com toda aquela casca, ela é uma mulher solitária. O status é tudo o que ela tem, por isso vai fazer de tudo para não perdê-lo — observa.
Camila fala com paixão sobre a personagem, que também deve despertar o sentimento dos espectadores. Isso porque, apesar de todas as maldades que comete contra Sofia — a mocinha interpretada por Camila Queiroz — e contra quem ousa ameaçá-la em seu altar de poder, Lola é uma figura engraçada e cativante. A personagem tem todos os elementos para entrar na lista de vilãs mais amadas da dramaturgia brasileira, ao lado de nomes como Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) e Carminha (Adriana Esteves).
Lola também lembra uma personagem inesquecível de Camila Pitanga: a Bebel, de Paraíso Tropical. Inclusive, "a cachorra mais burra do calçadão" é referenciada na novela da Max — assista ao quinto capítulo e dê boas risadas com o momento. As semelhanças, contudo, não diminuíram as dificuldades do papel. Camila Pitanga define o processo de construção de Lola como "uma operação de guerra".
O empenho vem sendo recompensado pela repercussão de Beleza Fatal. Os 10 primeiros capítulos da novela já estão disponíveis no streaming (os demais entram semanalmente, sempre às segundas-feiras, de cinco em cinco) e vêm sendo aclamados pelo público, que destaca, justamente, a atuação impecável de Camila Pitanga.
Os caminhos dela (Lola) para chegar onde queria foram tortos, abjetos, mas vejo humanidade ali.
CAMILA PITANGA
A novela também tem ocupado posição de destaque no ranking de produções mais assistidas da Max a nível global, o que projeta o trabalho da atriz para novos públicos.
— Quando esse projeto começou, admito que olhava para ele mais no âmbito do nosso país, porque as novelas têm um lugar muito caro no coração dos brasileiros. Mas estamos no Top 5 do mundo na Max, chamando atenção de outros mercados, inclusive o americano. Isso tem um significado muito grande para toda a nossa classe — celebra Camila.
Em entrevista à revista Donna, a atriz detalha a preparação para viver Lola e projeta seus próximos passos profissionais, sem descartar a possibilidade de uma carreira internacional.
Alinhada às discussões propostas pela trama, que aborda os perigos da busca implacável pela beleza, Camila ainda fala sobre autoestima, pressão estética e representatividade, sem deixar de lado os posicionamentos sociais que sempre marcaram sua atuação artística.
Confira a entrevista com Camila Pitanga
Beleza Fatal marca o seu retorno às novelas. O que te fez voltar agora?
Quando a Mônica Albuquerque (à época head de Talentos Artísticos da Warner Bros. Discovery) me trouxe a proposta de Beleza Fatal, que combinava uma grande personagem e um projeto que poderia ser um divisor de águas para a minha carreira e para o mercado audiovisual brasileiro, entendi que era a hora certa.
Fiz tantos trabalhos de relevância, personagens que geraram tanta empatia com o público brasileiro, que não poderia voltar para algo que fosse trivial. Beleza Fatal honra a minha história, sabe? É voltar gigante para fazer um trabalho que me desafia, que não é só mais um projeto. E que tem potencial para modificar tanto a mim quanto a cena brasileira.
E falando um pouco da Lola, o que te fez entender que ela era a personagem certa?
De cara soube que seria um desafio enorme e que precisaria emprestar a minha humanidade para ela. Isso me fascinou. Lola é uma pilantra, uma alpinista social e até mesmo uma assassina. Ainda assim, apesar desses predicados tão terríveis, ela é uma pessoa fascinante.
Me surpreendia com a complexidade dela enquanto lia o texto. Mas como conseguir incorporar isso? Porque a Lola é tão distante do que eu sou, parece de outro planeta. O trabalho de construção dela foi uma operação de guerra, uma luta, uma verdadeira artesania, as pessoas não têm noção (risos). Nada veio pronto.
Sei que não existe vida parada, pois a vida é movimento, mas se puder me movimentar e continuar exatamente assim, é isso que quero.
CAMILA PITANGA
Apesar de tudo, a Lola é uma personagem carismática. Como você acredita que será a relação do público com ela?
O que mais estou ouvindo até agora é: "Que horror, mas é muito bom odiar a Lola". Ela evoca essa fronteira de acharmos terrível o que ela faz, mas ficamos doidos para vê-la fazendo mais (risos). A gente critica e julga, mas ela é tão absurda que exerce um certo magnetismo.
Mas sabemos que os vilões, por mais carismáticos que sejam, acabam se dando mal.
Pois é. Diria que ela vai viver uma montanha-russa de derrocadas e reinvenções. Mas você pensa que ela melhora com isso? Melhora nada! Ela só piora (risos).
O seu visual na segunda fase da novela está chamando muita atenção. O público vem comentando o quanto você está diferente, especulando sobre ter feito algum procedimento. Como foi esse trabalho de caracterização?
Tínhamos o desafio de dar corpo a uma mulher harmonizada, mas não queria fazer nenhum procedimento. Aí que entra a maestria da maquiagem. Fizemos muitos testes para conseguir chegar nesse rosto de uma pessoa que levantou a sobrancelha, preencheu a boca, preencheu a bochecha, afinou o nariz...
Deu certo, porque, quando saíram as primeiras fotos da novela, todo mundo comentou: "Gente, Camila Pitanga sucumbiu, fez todos os procedimentos, está parecendo outra pessoa". Mas é a Lola, tá, gente? A única coisa que tive que fazer foi descolorir a minha sobrancelha. É algo que na Pabllo Vittar fica maravilhoso, porque ela é maravilhosa, mas em mim não ficou bom não (risos).
A novela aborda muito bem o tema da busca implacável pela beleza, que por vezes acaba colocando a própria vida em risco. Como você enxerga esse cenário?
É uma discussão muito relevante que estamos propondo. Vejo que estar dentro desse padrão de beleza virou um status na sociedade, algo que credencia as pessoas a serem alguém no mundo. Isso é muito perigoso. Há pessoas que realizam um sonho ao fazer determinado procedimento. Tudo bem, porque existem várias questões de autoestima que podem estar envolvidas nisso.
O problema é quando você não tem outro lugar de realizações, quando a sua felicidade depende de estar dentro de um modelo estético que, no fundo, é intangível. A gente está chamando atenção para esse tema para que as pessoas entendam qual é o limite e para que ninguém corra riscos de vida buscando se encaixar em um padrão de beleza.
A Lola se intitula "rainha da beleza", tem uma autoestima incrível, mas como é a relação da Camila com o espelho?
Olha, eu tenho 47 anos, então, já vivi todas as fases que você possa imaginar (risos). Mas acho que a aparência nunca foi um grande centro de questionamentos na minha vida. Desde muito nova, minha preocupação era justamente que a minha trajetória não fosse pautada pela pela minha imagem. Por isso, fui estudar teoria teatral, fazer faculdade.
Quando as mulheres passam dos 40 anos, aumenta a cobrança para que se mantenham joviais, mascararem os efeitos do tempo, façam procedimentos. Isso te afeta de alguma forma?
Faço terapia, tenho bons amigos e uma rede de pessoas que me amam. Dentro da riqueza que é você ter amor e vínculos sólidos, essas pressões acabam não sendo tão fortes, sabe? Às vezes, elas me balançam, sim, mas procuro me nutrir de outras coisas. É um processo de amadurecimento.
Nas redes sociais, você costuma compartilhar suas opiniões sobre os temas que mobilizam o debate no país, sempre com especial atenção à defesa dos direitos das mulheres. Entende que, como artista, esse é o seu papel?
Gosto muito de gente, e a desigualdade social sob a qual o nosso país foi esculpido é algo que me dói. Do que adianta você criar a sua independência financeira, ter o seu campo de liberdade, se do lado da porta da sua casa um monte de gente estiver passando miséria e sofrendo opressão? Não dá. Sou filha de Antônio Pitanga e Vera Manhães, enteada de Benedita da Silva, tenho uma linhagem que me ensinou a considerar isso um problema nosso.
Quero um Brasil melhor e não acho que esse seja um sonho impossível. Não dá para mudar nada sozinha, mas busco usar a minha voz, o meu trabalho, enfim, as armas que tenho. Não sou dona da verdade, mas sou alguém que acredita em um país melhor, antirracista, feminista e sem desigualdade.
Recentemente, você também usou as redes sociais para celebrar que temos, pela primeira vez, três atrizes negras como protagonistas das três novelas da Globo. Qual o significado disso para você?
Comparo a imagem dessas três atrizes negras, jovens e cheias de talento com uma imagem que também é muito impactante: Rebeca Andrade no lugar mais alto do pódio, com Simone Biles e Jordan Chiles reverenciando a vitória dela. Esses dois momentos, para mim, falam sobre um Brasil que dá certo, um Brasil que entende a potência que nós, negros e negras, somos.
As novelas das meninas estão fazendo um enorme sucesso, elas estão felizes, e isso me alegra demais. Vejo que a sociedade brasileira ainda tem muito para caminhar, mas está aplaudindo de pé as nossas conquistas, e há um significado muito grande nisso. Agora também teremos Taís Araújo e Bela Campos em Vale Tudo. Estou em Beleza Fatal, do Brasil para o mundo. Enfim, um cenário tão lindo que nem tenho palavras. É algo que convoca outras meninas pretas a se enxergarem potentes, com toda possibilidade de terem sucesso e de serem felizes.
Beleza Fatal está disponível em vários países da América Latina, em Portugal e nos Estados Unidos. E estamos vendo cada vez mais artistas brasileiros despontarem no cenário internacional. Você já pensou sobre uma carreira fora do Brasil?
Sabe que dia desses tive um encontro maravilhoso com a Marjorie (Estiano), e ela me trouxe esse olhar de como Beleza Fatal pode ser um passaporte. Confesso que nunca tinha tido essa dimensão, nunca me projetei nesse lugar, mas estamos lá, no Top 5 Mundo da Max. Depois dessa conversa com a Marjorie decidi voltar ao inglês (risos). Espero estar preparada.
O que você ainda sonha?
Estou com dois projetos na Max, como produtora executiva. No momento, sonho que eles entrem em produção (risos). Estou aguardando essas respostas.
E no âmbito pessoal, alguma coisa?
Ah, que tudo continue do jeito que está. Sou só gratidão a tudo que tenho. O amor que vivo com o Patrick (namorado); a vivacidade da minha filha, que exala em tudo o que ela faz; a potência do meu pai, que chegou aos 85 anos lançando filmes, realizando coisas. Sei que não existe vida parada, pois a vida é movimento, mas se puder me movimentar e continuar exatamente assim, é isso que quero. Está tudo certo, tudo em paz. Só sou grata mesmo.