— O novo está sempre aí e o barato é conseguir reconhecê-lo e se permitir mergulhar nele. Quando a gente entende isso, não envelhece — dispara a atriz Ilana Kaplan.
Aos 57 anos, sua preocupação é menos com a juventude do corpo e mais com a da mente, que exercita caminhando diariamente e se lançando em empreitadas criativas na profissão. Nascida em Porto Alegre e radicada em São Paulo, ela tem se dedicado ao teatro e ao humor, mas comemora a recém-descoberta “veia artística para a tragédia”, aos 36 anos de carreira. O novo traço estará presente na série Independência, (estreia em setembro, na TV Cultura), onde vai às profundezas da história do Brasil para emergir como Carlota Joaquina.
Ilana se considera essencialmente “analógica”: diz não ter intimidade com o digital e nem deixar que ele se intrometa na sua vida pessoal. Mesmo assim, a falta de reservas para experimentar novas possibilidades acabou lhe rendendo um vídeo viral na Internet em 2021.
Ela ficou conhecida no Instagram pelo bordão “Quer postar? Posta. É de bom-tom? Não”, dito por sua personagem Keila Mellman, que dá dicas de etiqueta nas redes sociais. Postar conteúdo foi a saída que encontrou para manter-se sã e produtiva durante o isolamento social, mas que também acabou lhe rendendo reconhecimento e diversos novos fãs.
E, ao mesmo tempo em que vai se reinventando, algumas coisas permanecem iguais. É o caso do seu humor com pitadas de autodepreciação, herdado da sua origem “gaúcha e judia”, como ela explica. Também perdura seu amor por Porto Alegre, onde moram seus familiares e também um público que reconhece seu trabalho desde a primeira peça, em 1986, Passagem Para Java, com a qual venceu o Prêmio Açorianos.
— Tenho o maior orgulho de Porto Alegre e serei eternamente grata, pois foi onde eu comecei e sempre fui reconhecida. Isso é muito lindo — afirma.
A gaúcha volta à Capital com a peça Baixa Terapia, em que atua ao lado de Antonio Fagundes, com sessão neste sábado (3), no Teatro do Sesi (Av. Assis Brasil, 8.787). Ao longo desta entrevista, a atriz fala desse retorno, reflete sobre envelhecimento sem neura e explica que “não veio com o chip” para a maternidade nem para redes sociais.
Fora dos palcos, tu costumas rir de ti mesma?
Claro, isso é sabedoria. Acho que o bem-viver está em termos uma lente de humor para olhar para os problemas do cotidiano de forma mais leve. Imagina quando tu estás tentando falar com o cara da operadora de TV há horas... aquilo irrita! É o “disque seis”, “disque asterisco” e a gente fica “Não! Eu quero falar com uma pessoa, um humano!”. Acho que, diante de coisas assim, o humor salva e a gente consegue viver melhor.
O que tu levas do Rio Grande do Sul em termos de personalidade?
O meu humor tem muita relação com o fato de ser gaúcha. Tem a influência de tudo que eu vivo, de como eu nasci e acho que tem também uma raiz judaica, pois sou judia. Tenho um humor judaico e gaúcho que é essa coisa engraçada, do deboche, de se criticar e fazer piada. É algo que eu vejo nos meus amigos de Porto Alegre e que reconheço em mim.
O que motivou tua mudança para São Paulo em 1995?
Foi por circunstância profissional. O espetáculo Buffet Glória fez um supersucesso em Porto Alegre e viemos com ele para São Paulo em 1993. Em 1994, fomos para o Rio de Janeiro e, quando voltamos para encerrar a temporada, achei que era o momento de tentar abrir caminhos. Acabei vindo e trabalhando com muitas pessoas que eu admirava.
Hoje moro sozinha em Higienópolis, a meia quadra da minha irmã, o que é ótimo, porque é como se morássemos no Bom Fim — eu na Rua Fernandes Vieira e ela na Vasco (da Gama). Meu coração é Porto Alegre/São Paulo e uma coisa que gosto, e que é parecida entre essas cidades, é que as pessoas se encontram, participam da vida umas das outras. Isso é a salvação das cidades que não têm praia. As praias dessas cidades são as pessoas.
E quais são os teus lugares em Porto Alegre?
O que mais gosto de fazer é encontrar pessoas, amigos do colégio, do teatro e minha família. Principalmente, ficar com meu pai, porque sinto muita saudade dele, da nossa casa. Ele está com 90 anos. Acho que um lado bonito da cidade é Ipanema, Lami, mas também fiquei muito feliz em conhecer o Cais Embarcadero. Aquilo é uma coisa extraordinária, um jeito da gente se relacionar com o rio.
Qual é o segredo para uma carreira longa e frutífera?
Acho que a gente tem que estar aberta para o novo. Estamos sempre em mutação, então se tu tiveres a oportunidade de conhecer pessoas novas, faça. Troque informações, ideias, tudo: esse é o segredo para estarmos atualizados e em paz com as coisas que vêm. Porque, não adianta, elas vão vir.
Diziam: “o cinema vai matar o teatro”. Nunca matou. “A TV vai matar o cinema”. Também não matou. Temos que nos adaptar e encontrar espaços, participar do jeito que conseguirmos.
O bordão “Não é de bom-tom” viralizou no ano passado. Como tu dialogas com o público do digital?
O vídeo viralizou no Twitter, mas como eu não tenho Twitter, as pessoas migraram para o meu Instagram e me assustei pela quantidade de gente que entrou de repente. Como eu não sou influencer, youtuber e nem vivo do Instagram, fiquei muito tranquila de não me sentir na obrigação de postar a todo o tempo.
Também não tenho o hábito nem a vontade de me fotografar em um restaurante ou em qualquer lugar em que eu esteja. Não é a minha característica, não fico na angústia do “ter que fazer”.
Quando tiver uma ideia engraçada, faço. Senão, não faço. Eu sei que o algoritmo gostaria que eu produzisse mais intensamente, mas isso não faz parte da minha vida, esse chip não veio comigo.
As personagens são a forma de te posicionares sobre questões atuais? Tem um pouco de Ilana aí?
Tem Ilana em todos os lugares. Todas as minhas criações têm o meu olhar. Na Keila Mellman, que escrevo junto com minha irmã, normalmente a gente pega o assunto do momento, é uma personagem mais política. Outras são mais relacionadas a situações do cotidiano que eu observo.
E, como a gente está num período mais turbulento, ficou inevitável falar, mesmo que subliminarmente, sobre a situação política. O bacana da rede social é que ela não tem tanto compromisso, posso testar ideias, experimentar e me divertir fazendo.
O que “não é de bom-tom” fazer neste momento?
A gente não abrir o olho para o que está acontecendo. Somos um país morrendo de fome, com muita gente morando na rua, estamos numa situação muito triste. Não é de bom-tom a gente ficar fechado numa bolha e não olhar. Não ter empatia não é de bom-tom. Temos que estar, no mínimo, ligados.
A peça Baixa Terapia estreou em 2017 e volta agora a Porto Alegre. O que mudou de lá para 2022?
A gente parou de apresentar exatamente no dia 15 de março de 2020, quando a pandemia estourou. Lembro que Antonio Fagundes falou “gente, vamos encerrar a temporada já, porque está perigoso”. Voltamos no dia 18 de agosto, mais de dois anos e meio depois.
Foi muito emocionante e engraçado também, porque a gente achava que ia lembrar de tudo, mas, na verdade, teve uma amnésia coletiva e tivemos que ensaiar muito para voltar. Acho que o texto ficou ainda mais contundente, pois as provocações que a peça já fazia ficaram mais gritantes após a pandemia.
Ela fala sobre alcoolismo, violência doméstica, educação dos filhos, mas tudo pelo viés da comédia. As pessoas vão se divertir muito e se identificar, pois é uma sessão de terapia com três casais em diferentes etapas da vida: um jovem, um de meia-idade e um mais velho.
Como é a tua relação com o divã? A saúde mental está em dia?
Estou tentando, né? Acho que todo mundo deu uma desequilibrada, não tem como a gente passar impunemente por um isolamento social e por tantas perdas. A minha forma de tentar me salvar foi esse canal de comunicação virtual incrível que se criou. Consegui salvar minha sanidade mental e criativa quando abri a câmera e fiz essas “bobagens”, porque era um jeito de exercitar um pouco a minha parte artística.
E eu também tive a honra de ser convidada para fazer a Carlota Joaquina na série Independência, e assim conseguir trabalhar em 2021, que foi quando fizemos todo o processo de estudo, pesquisa e trabalho físico. As gravações foram em janeiro deste ano e a estreia será em setembro. Então, acho que meu divã foi salvo pela arte.
Nesse pique de atriz, tu consegues ter uma rotina de autocuidado?
Eu tento sempre caminhar, pois é um exercício que me faz muito bem, oxigena meu cérebro. Também voltei para a ginástica, porque estou sentindo que os 50 estão fazendo diferença. Mas eu sou taurina e tudo que é de comer me interessa mais do que exercício.
Não sou aquela que faz “seis horas de pilates, mais três de natação” e sei lá o que mais. Não, gente, eu sou taurina, estarei no sofá e saio guinchada dele, porque sei que é bom para mim, tanto para a cabeça quanto para o corpo. Me obrigo. O instrumento do meu trabalho é o meu corpo e eu não posso vacilar. E cuidados com a pele eu sempre tenho, não durmo de maquiagem e passo filtro solar todos os dias.
Ainda bem que os tempos são outros, não é mais uma obrigatoriedade social a pessoa seguir o ciclo de nascer, crescer, casar, ter filhos.
ILANA KAPLAN
Atriz
Não ter filhos é uma escolha tua?
Sim. Meu instinto materno sempre foi para um outro lugar. Eu sou muito papo firme e maternal com meus amigos e família, então esse lado amoroso, de prover e ajudar, eu exercitei desse jeito. Nunca senti uma necessidade de ter filhos.
Ainda bem que os tempos são outros, não é mais uma obrigatoriedade social a pessoa seguir o ciclo de nascer, crescer, casar, ter filhos. Na minha vida, isso não aconteceu, mesmo que hoje em dia você possa ter filhos de várias formas, com parceiros, sem parceiros, congelando óvulos, adotando. Eu não vim com o chip da mãe e acabei não exercendo a maternidade.
Como tu recebes as mudanças do tempo que aparecem no corpo?
Acho que é uma luta inglória, se eu não entender que isso faz parte da vida. Se eu conseguir viver até os 80, 90 anos, envelhecer vai fazer parte disso, não tenho como lutar contra. É sobre aceitação e eu não tenho problemas em relação a isso.
Minha carreira não foi construída em cima de algo estético, então, sinto o envelhecimento como todo mundo sente. Não sei se terei coragem de um dia fazer plástica, sou medrosa. Envelhecer é inevitável, faz parte. Alguém vai ter que fazer o papel de avó.
E quais são os teus planos para os 60, 70, 80 anos?
Pretendo seguir trabalhando, divertindo as pessoas, e quero descobrir mais coisas. A série foi muito bacana para mim, porque nela não faço comédia. Conheci um lado artístico muito novo. É incrível descobrir, aos 36 anos de carreira, que tenho uma veia trágica também. O envelhecimento pode ser por fora, mas nunca por dentro, já que é a curiosidade que nos faz não envelhecer. A parte estética, embora possa ser atenuada, é inevitável. O principal é sempre a cabeça estar em dia.