Desde o final do século 19 até a ONU declarar 1975 o Ano Internacional da Mulher e, na sequência, oficializar um Dia Internacional para elas, vários atos e protestos foram dando corpo à relevância da data. Ainda que a história tenha registrado nomes femininos ao longo de décadas de luta por igualdade, estas ações são obra de milhares de anônimas despertadas não da noite para o dia. Muito provavelmente, foram sendo construídas dia a dia, mesmo longe da linha de frente: uma mulher que ousou dar um passo à frente acabou puxando outra que puxou outra que puxou outra…
Essa corrente chega ao século 21 mais forte do que nunca, provocando pequenas, mas significativas, revoluções em contextos diversos. E quando a mulher que estende a mão pertence a uma geração à frente, a experiência pode ser ainda mais transformadora.
Confira, a seguir, histórias de quatro mulheres que tiveram algum aspecto pessoal reformulado graças à presença ativa de jovens mulheres em suas vidas. Elas representam aqui aquelas que seguraram a mão de outras enquanto ousavam agir alinhadas a um novo tempo. Histórias que comprovam que, quando uma mulher inspira outra, pequenas conquistas diárias continuam orquestrando uma silenciosa, mas não menos potente revolução.
Protagonista da própria marca
Quando a pandemia veio e obrigou o fechamento da loja da família, a Lizáli, em Porto Alegre, Elizete Richter Rittes, 60 anos, não teve dúvidas: confiou na inventividade da filha, Fabiane Richter Rittes, 33, publicitária. Juntas desbravaram o mundo do e-commerce e das redes sociais, fazendo Elizete se renovar.
Para aparecer nas redes sociais, em fotos como modelo da marca, ou nas lives de vendas, foi preciso mexer em algumas resistências internas, do tipo “quem sou eu para estar ali?”.
— Ainda rola um pouco essa questão: “O que vão pensar? O que vão achar?”. Me cobrei bastante. Tive que fazer exercícios de relaxamento, respirar e observar muito — conta Elizete, que viu crescer e se fortalecer nos últimos anos a sua autoconfiança, expandindo limites que já não fazem mais sentido.
— Mas isso tudo vem de um amadurecimento e uma certa cobrança da Fabi. Ela sempre me impulsionou. Acho que ela não me vê como uma mulher de 60 anos, nem eu me vejo — confessa.
Elizete passou a desempenhar um papel diferente do da empreendedora que nos anos 1990 percorria o Estado de feira em feira: agora é protagonista de uma marca.
E Fabiane foi testemunha das transformações da mãe nos últimos anos:
— Sempre fui de levantar a bandeira do feminismo. Então consigo pegar na mão da minha mãe e dizer vamos juntas, vamos para o mundo. Nós, as mais novas, podemos dar voz para a mulherada que não conseguia ter espaço e força.
Com a Fabi, conheci a Europa, Nova York, sempre trabalhando. Fui para Portugal em 2011 porque ela morou lá. Na época, fiquei com receio de pensarem: 'Nossa, ela vai para a Europa! Tá se achando'. Isso mudou profundamente. Não tenho mais a preocupação de me justificar, explicar. Não! Hoje sinto que, se eu quiser e puder bancar, vou e pronto.
ELIZETE RITTES, 60 ANOS,
sobre a filha Fabiane Rittes, 33
Para Elizete, ter a filha lhe apresentando um novo mundo não é novidade:
— A Fabi se metia em tudo: banda, dança… estava sempre envolvida e “me obrigava” a participar. Essa ligação me mantém mais jovem, mas você tem de estar aberta para isso.
E Elizete sempre esteve. Foi assim quando se juntou à mãe, Áurea, e à irmã, Alice, na confecção em Chapada, noroeste do Estado. Agora, é a filha que a faz romper fronteiras.
— Com a Fabi, conheci a Europa, Nova York, sempre trabalhando. Fui para Portugal em 2011 porque ela morou lá. Na época, fiquei com receio de pensarem: “Nossa, ela vai para a Europa! Tá se achando”. Isso mudou profundamente. Não tenho mais a preocupação de me justificar, explicar. Não! Hoje sinto que, se eu quiser e puder bancar, vou e pronto. Trabalho e trabalhei para isso… mereço.
Novos hábitos e mais conhecimento
Foi há alguns anos que a relação de Carmem Mello, 47 anos, com sua filha, a estudante de jornalismo Carla Mello, 19, começou a se transformar. Conforme foi crescendo e desenvolvendo sua visão de mundo, a jovem passou a conduzir a mãe pelas mãos em um universo de descobertas.
— Muitas vezes, a Carla veio falar comigo de assuntos que eu não sabia, sobre os quais não tive orientação. Então, eu dizia: “Vamos pesquisar juntas”.
O que as mães não tiveram na sua juventude têm de tentar conquistar agora, através das filhas. Elas têm muito a nos inspirar. Sempre que preciso, ligo para ela e pergunto: “O que é isso? Me explica”.
Ela credita a Carla sua capacidade de argumentar sobre diversos temas, como machismo, questões sobre LGBT+, relacionamento abusivo e política. Além disso, Carmem se tornou vegana por influência da filha. Moradora de Santana do Livramento, ela aproveita as visitas à estudante, em Porto Alegre, para explorar novas experiências. Recentemente, provou pela primeira vez um café com leite sem qualquer ingrediente de origem animal:
— É espetacular — conta, empolgada.
À vontade para abordar qualquer tema com a mãe, Carla alimenta uma tendência de renovação natural de Carmem.
— Minha mãe cresceu no Interior, e sempre foi aberta para aprender. Quando descubro alguma coisa, conto para ela. Conversamos sobre tudo. Nunca me senti constrangida — relata.
Na opinião de Carmem, as novas gerações oferecem um olhar diferente sobre demandas individuais e coletivas.
— Noto que, geralmente, um adulto impõe muito e não escuta a geração mais nova. E isso não faz sentido, porque muita coisa mudou e muito rapidamente. O que vivi na idade dela é completamente diferente do que ela vive. Se a gente para e escuta, os jovens têm muita coisa boa para mostrar — finaliza.
Minha filha é uma moça que me inspira muito. Aprendi sobre muitos temas por causa dela.
CARMEM MELLO, 47 ANOS,
sobre a filha, Carla Mello, 19
Carmem troca experiências com a filha, Carla, sobre temas que vão de machismo a veganismo, questões sobre LGBT+, relacionamento abusivo e política. Além disso, Carmem se tornou vegana por influência da filha. Moradora de Santana do Livramento, ela aproveita as visitas à estudante, em Porto Alegre, para explorar novas experiências. Recentemente, provou pela primeira vez um café com leite sem qualquer ingrediente de origem animal:
— É espetacular — conta, empolgada.
À vontade para abordar qualquer tema com a mãe, Carla alimenta uma tendência de renovação natural de Carmem.
— Minha mãe cresceu no Interior, e sempre foi aberta para aprender. Quando descubro alguma coisa, conto para ela. Conversamos sobre tudo. Nunca me senti constrangida — relata.
Na opinião de Carmem, as novas gerações oferecem um olhar diferente sobre demandas individuais e coletivas.
— Noto que, geralmente, um adulto impõe muito e não escuta a geração mais nova. E isso não faz sentido, porque muita coisa mudou e muito rapidamente. O que vivi na idade dela é completamente diferente do que ela vive. Se a gente para e escuta, os jovens têm muita coisa boa para mostrar — finaliza.
Mais perto do sonho de ser escritora
A professora de português Eliane Maria Escobar de Mello, 70 anos, está nas primeiras 50 páginas de um projeto idealizado há muito tempo: escrever um livro. E reconhece que o impulso definitivo para se lançar no sonho vem de uma neta tão apaixonada quanto ela pelas letras. Raquel de Mello Soares, 22 anos, tem estudado para se tornar escritora. Ela conta que a avó foi uma inspiração para a escolha do caminho profissional, mas que ultimamente os papéis podem estar se invertendo.
— Publiquei meu primeiro livro em 2020 e vou publicar mais um esse ano. Sempre comentei com ela sobre como funcionam as publicações e fazia tempo que ela queria escrever esse livro, baseado em histórias da nossa família. Incentivei bastante, me ofereci para revisar e fazer a capa, se precisar.
Eliane confirma:
— Sempre gostei de escrever. Meus filhos têm cartas minhas, pois costumava escrever para eles quando precisava dar um conselho. Acho que o que escrevemos fica gravado, e também porque conversando, às vezes, dizemos algo que não deveríamos. Sempre escrevi muito. Mas nunca tive coragem de me dedicar a escrever um livro, embora pensasse nisso. A Raquel me abriu este horizonte.
Sempre escrevi muito, mas nunca tive coragem de escrever um livro. A Raquel me abriu este horizonte.
ELIANE MARIA ESCOBAR DE MELLO, 70 ANOS,
sobre a neta Raquel de Mello Soares, 22
A afinidade entre as duas é de longa data. E Eliane recorda, orgulhosa, das vezes em que viu a neta, ainda pequena, dizer com convicção que seria uma escritora famosa.
— Sempre quis, mas não acreditava em mim como ela — compara Eliane. — Ela me inspira principalmente pela garra e certeza do que quer, essa vontade que sempre teve de ser escritora. Desde bem pequena dizia isso.
A troca de figurinhas é constante, conta a avó:
— Ela me apresentou autores que eu não buscaria sem sua orientação. Nós duas nos tornamos fascinadas pelo Carlos Ruiz Zafón, ficávamos horas comentando os seus livros — revela.
Um olhar mais leve sobre a vida
Aos 22 anos, Mariana Mari Ricoi vive uma caminhada de busca espiritual e conhecimentos holísticos que tem aberto os horizontes da mãe, Alessandra Anne Mari.
A personal stylist, de 44 anos, se vê aliviada pela presença da filha ao seu lado em momentos cruciais.
— Hoje mesmo ela me deu um up — conta Alessandra, mostrando uma troca de mensagens em que a filha valoriza um gesto seu.
Alessandra conta que passou, recentemente, por uma desilusão amorosa e o acolhimento de Mariana fez toda a diferença.
— Ela me disse que eu tinha de ser mais por mim, ninguém era maior do que eu… Quando me viu chorando, me disse “Chega, mãe. Levanta, reage, tu és muito mais do que isso”. Eu questionei. Tão fácil falar. Ela reafirmou: “Somos muito mais do que isso”. A minha filha é muito ela, sabe? Ela se ama, ela aprendeu a se amar. Fico impressionada. Tudo o que eu tenho de não acreditar em mim, de falta de amor-próprio, ela não tem. Ela acredita, vai lá e faz.
Mariana conta que, em 2018, a partir de um “despertar espiritual”, começou a mudar sua visão de mundo.
Sempre trabalhei com vaidade, muito preocupada com ter um corpo magro. Minha filha não tem isso. Ela me ensina a ver a vida com outros olhos.
ALESSANDRA MARI, 44 ANOS,
sobre a filha, Mariana Mari Ricoi, 22
— Me tornei vegana, comecei a me conectar mais com a natureza e suas medicinas e digo que encontrei a minha cura. Simplesmente, uma forma mais leve de ver a vida e, com isso, as pessoas à minha volta também se beneficiaram. Minha mãe, com certeza, foi uma delas. Fico muito feliz em poder passar esses ensinamentos e despertar para todos. Alessandra confirma:
— Sempre trabalhei com vaidade, sou personal stylist, muito preocupada com ter um corpo magro. Minha filha não tem isso. Ela foi buscando outro caminho, reiki, ioga… e me ensina a ver a vida com outros olhos.