Em mais um capítulo da série Trabalhe Como Uma Mulher, que conta histórias de mulheres que são destaque e inspiração para outras em suas profissões, conheça a trajetória e o trabalho da designer gaúcha Rochele Gloor
No concurso de brotinho do colégio, enquanto as coleguinhas exibiam vestidos com saias rodadas e mangas bufantes na passarela, Rochele Gloor desfilou em um tubinho preto com uma camisa de organza branca transparente por cima, peças desenhadas por ela e confeccionadas pela mãe, Yara. Aos 11 anos, a menina já dava sinais do que queria ser quando crescesse.
- As gurias no estilo "princesa", e eu, supercool - diverte-se.
Depois de 10 anos estudando nos Estados Unidos, a estilista voltou pronta para lançar sua marca de luxo sustentável, a R Gloor. Na sua formação no Exterior, trabalhou para Calvin Klein e Oscar de la Renta, ícone mundial da moda que vestiu primeiras-damas dos Estados Unidos como Jacqueline Kennedy e Laura Bush. Além do bacharelado em moda, a gaúcha trouxe, na bagagem de volta a Porto Alegre, a cultura da filantropia, tão forte naquele país:
- Queria oferecer alguma coisa para a sociedade. Foi algo que aprendi com os americanos. Todo mundo doa alguma coisa de si, seja conhecimento, dinheiro, tempo ou energia - conta.
Assim nasceu o Atelier da Cruz, um projeto de inclusão que acaba de completar três anos e virou sinônimo de transformação para um grupo de moradoras do Morro da Cruz, na zona leste de Porto Alegre. Com poucas variações, as histórias dessas mulheres se repetem: são, em sua maioria, aposentadas após anos de trabalho como domésticas, com os filhos crescidos e já longe de casa. No Atelier, aprenderam uma nova atividade e encontraram companhia para amenizar a solidão.
Depois de 29 anos e sete meses trabalhando como doméstica na mesma casa, aposentada e viúva, Celene Hoffmann, 60 anos, sentia-se muito sozinha, até que recebeu o convite da amiga Rosa Maria Silva para costurar. Foi em uma sala anexa à da Associação Comunitária do Morro da Cruz que ela e outras vizinhas aprimoraram a técnica. Hoje são seis as costureiras do projeto, que começou com 16 trabalhadoras.
Queria oferecer alguma coisa para a sociedade. Foi algo que aprendi com os americanos. Todo mundo doa alguma coisa de si, seja conhecimento, dinheiro, tempo ou energia".
ROCHELE GLOOR
Elas produzem acessórios, colchas e roupas a partir de retalhos que seriam descartados no lixo. Algumas aproveitam para reformar peças próprias e já estão oferecendo reformas para terceiros. Com o dinheiro, pagam a luz da sala e garantem um extra no fim do mês.
- Isso aqui é muito importante. As colegas se ajudam, e o dia corre sem a gente ver as horas passarem - comenta Celene.
Sonia Regina Melo Zaquia, 55 anos, foi uma das que aprendeu a operar uma máquina industrial com Rochele. Sua experiência anterior era com as manuais, nas quais ela reformava roupas para ela mesma nas horas vagas. O expediente, até pouco tempo, era cumprido nos serviços gerais de uma creche na comunidade.
- Eu ganhava, das minhas primas, calças com a boca larga, então passava na máquina e deixava bem retinho. Tinha que arrumar para reaproveitar, porque a moda vai e vem - diz.
No mês de aniversário do projeto, o grupo celebra também um ano da nova sala, reformada com os R$ 10 mil arrecadados por financiamento coletivo. No mês que vem, parte do trabalho produzido no Morro da Cruz vai para a passarela da 3ª edição do Brasil Eco Fashion Week, em São Paulo. Com fios já usados em máquinas overlock, elas produzirão rendas que serão colocadas em peças da R Gloor. Rochele apresentará suas criações no dia 16 de novembro.
A marca já produz oito peças 100% zero waste, um processo que aproveita completamente o tecido, sem gerar excedentes. Apesar da preocupação ambiental, Rochele destaca que o foco do seu trabalho é o design.
- Faço uma coleção por ano. Tento ir contra esse fluxo de quatro, seis coleções por ano. O resultado (dessa produção maior) é que as peças não têm caimento, nem qualidade, é um desperdício. Sempre quis mostrar que é viável um modelo de negócio diferente. Mas não me foco na sustentabilidade. Acho que isso faz parte da empresa. O que faz a diferença é o design - afirma.