Desde que eles foram morar juntos era assim. Quarta e sábado, dias de futebol na televisão. Momentos sagrados para ele, que cedo já colocava as cervejas para gelar e separava o saquinho de pipocas de micro-ondas. O mesmo ritual semana após semana, anos após ano. Nem o sabor das pipocas mudava: aquele cheiro de bacon artificial entranhava no apartamento todo.
Enquanto ele se refestelava no sofá, comia, bebia e gritava feito um louco na frente da TV, ela lia revistas no quarto, fazia alguma costura ou aproveitava para colocar o sono em dia. Às vezes, provocava o marido.
- Benhê, tem um jantar legal na casa da Fulana, vamos?
- Nem adianta vir toda melosa. Dia de jogo tu sabes que não saio de casa. É sagrado.
E o papo encerrava aí. Depois, começou a passar jogos na televisão nos outros dias da semana, e nos mais diferentes horários. Ele, cada dia mais feliz. Até comprou pipoca sabor queijo, que era para variar um pouco. E Coca-Cola, para tomar durante os jogos da tarde, porque se começasse a beber cedo fatalmente dormiria no sofá antes do jogo da noite. E isso ele não podia admitir. Melhor maneirar no trago.
Ela já estava cansada daquilo tudo. Não podia nem conversar depois que os jogadores entravam em campo. Tinha que fazer de conta que não estava lá. Um dia levou essa ideia ao pé da letra. Disse que iria ao cinema, e ele continuou acomodado no sofá, vestindo sua camiseta do time. Só disse, antes dela sair: "bom filme". Na semana seguinte, avisou que iria ao teatro. Depois, shopping, barzinho com as amigas...
Ele, que no começo achava ótimo a mulher sair e deixá-lo em paz para ver seus jogos, começou a ficar incomodado. Pensava: "Onde será que ela anda? O jogo terminou faz horas, e ela ainda não voltou". Tentava telefonar, mas o celular dela dava sempre fora de área. Aquela dúvida não o deixava em paz. A mulher, sempre tão cordata e companheira, estaria tendo um caso? Aquilo ficou martelando na sua cabeça.
Os jogos na televisão foram perdendo a graça. Ele não conseguia mais se concentrar. Pouco fazia se o time do coração ganhasse ou perdesse. Queria a sua mulher de volta. Falou isso para ela.
- Prometo que vai ser diferente. Vamos fazer programas juntos, vou assistir apenas aos jogos mais importantes e dedicarei mais tempo a você - disse, com olhos de quem implorava por perdão. Ela decidiu aceitar, e a paz voltou a reinar em casa. Quando ele já estava dormindo ela saiu do quarto pé ante pé para telefonar.
- Alô, mãe, nosso plano deu certo. Não vou mais precisar ir pra tua casa todas as noites. Meu marido voltou a ser como era.
Não há nada que um bom susto não resolva.
Um bom susto fez o marido rever as noites dedicadas exclusivamente ao futebol
Viviane Bevilacqua
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