
Uma tia o criou como se fosse seu, e Maria nunca pôde dizer a ninguém que era a mãe verdadeira. A senha era de uma conta no banco, onde depositava quase todo seu salário, pois gastava muito pouco. Não tinha luxos nem vícios. Deixou tudo de herança para os meninos que ajudou a criar. Aquela caixa de madeira marrom escura que Maria guardava bem no alto do armário do quarto, atrás dos casacos de lã, trancafiava algum segredo, todos tinham certeza disso.
Mais de uma vez a velha empregada da família foi flagrada mexendo na caixa, mas era só ouvir alguém se aproximando que ela logo fechava seu pequeno baú e disfarçava. Era algo só seu, que não queria compartilhar, apesar de saber que ali naquela casa estava entre amigos. Maria sempre foi um pouco misteriosa, não gostava de falar do passado.
Já a conheceram mulher madura, sem família, sem filhos, sem história. Cada vez que alguém tocava em um assunto mais íntimo - que ela chamava de terreno pantanoso - desviava a conversa. Ficava nervosa ao se perceber no centro das atenções. Desviava o olhar, gaguejava, esfregava aos mãos com força e suspirava.
? Prefiro não falar do passado. Vamos viver o hoje, que é tão bonito. Era sua frase preferida para terminar qualquer diálogo indesejado. Os cabelos de Maria, tão pretos e brilhantes, sempre presos em um coque irretocável no alto da cabeça começaram a ficar grisalhos.
O corpo, antes esguio e alto, foi tomando formas mais arredondadas com o passar dos anos. As bochechas rosadas e os olhos bondosos cor de mel, aliados ao seu jeito superprotetor de tratar a todos, conferia-lhe uma aparência de vovó, daquelas que a gente sempre quer ter por perto. Maria assumiu esse papel com todo o gosto do mundo. Não era mais sozinha, muito menos uma estranha.
Transformou-se ao longo do tempo na avó de todos, respeitada e admirada, ambição com a qual jamais sequer ousou sonhar. As crianças cresceram ao mesmo tempo em que Maria ia ficando com os cabelos branquinhos como neve. A visão já lhe pregava peças - tinha muito medo de operar a catarata. Preferia viver assim, adivinhando as palavras e espremendo os olhos para enxergar os personagens de suas novelas preferidas.
Um dia, já bem velhinha, reuniu a família e decidiu compartilhar seu segredo. Não queria morrer assim, deixando aquela caixa de madeira no alto do armário, fechada e cheia de mistérios. Pediu que buscassem seu pequeno baú no quarto e o abriu, acompanhada de vários pares de olhos ansiosos e curiosos.
Havia dois envelopes, um com um cachinho de cabelos louros. No outro, uma senha. Contou que havia engravidado, mas como tinha apenas 15 anos, os pais, muito severos, decidiram dar a criança para adoção.
Esta era a sua família verdadeira. Dos pais, desde que completara a maioridade e resolvera ir embora da cidade natal, nunca mais procurou notícias. A velha senhora morreu meses depois, cercada de carinho e atenção. Sua vida, afinal, tinha valido a pena.