Existem momentos das vidas de nossos filhos que guardamos para sempre. A primeira risadinha, o primeiro dentinho, a primeira palavrinha, a primeira isso, a primeira aquilo. Para os outros pode parecer bobagem. Afinal, essa evolução é praticamente igual em todas as crianças, mas para as mães cada acontecimento torna-se especial. É no cotidiano que a gente percebe que nossas crias estão crescendo e se tornando cada dia mais independentes o que é maravilhoso, mas também dá um aperto no coração, pois nos obriga a perceber que eles podem, sim, sobreviver fora do abrigo de nossas asas superprotetoras.
O que eu quero comentar aqui é justamente um destes momentos especiais em que uma mãe se dá conta, de repente, de que o filho cresceu e já é um serzinho independente e com gostos próprios - bem diferentes dos seus, diga-se de passagem.
O fato não aconteceu comigo. Foi com uma amiga, a Paulinha, e o filho dela, o Pedrinho, de seis anos. Eles sempre foram tão parecidos e grudados que até a alimentação dos dois era praticamente a mesma...Lembro que quando Pedrinho era bem pequeno e eu ia visitá-los ou ele ia com a mãe à minha casa, sempre perguntava se eu tinha barra de cereais. Alguém já viu um guri de dois anos adorar barra de cereais? Eu já, o Pedrinho. E nem era aquela barrinha com cobertura de chocolate, que é bem docinha. Ele preferia aquela bem sem graça mesmo... Ah, e sempre tomou muita água de coco, desde bebê. Refrigerante? Nem pensar. Igualzinho à mãe. Até hoje brinco dizendo que Pedrinho é um anãozinho disfarçado de criança.
Mês passado Paulinha decidiu agitar a noite de sábado do filhote:
- O que você acha da gente fazer aqui em casa a Noite do Pijama? Você convida uns amigos para vir dormir, eu faço cachorro-quente, pipoca e brigadeiro, vocês podem dançar, jogar e brincar à vontade, até de madrugada!
É claro que ele topou. Eram seis crianças, contando com o Pedrinho, com idades entre três e seis anos. A mãe de um deles tinha em casa uma daquelas luzes de discoteca, que fica girando, e emprestou, para dar mais clima à festa.
Os pequenos jogaram videogame, correram, pularam, suaram até ficarem encharcados. Depois do banho, lancharam e chegou então a hora da "boate". Minha amiga apagou a lâmpada do lustre da sala e colocou aquelas luzinhas multicoloridas que ficavam girando pela peça. As crianças vibravam, encantadas. Paulinha pensou que ia agradar em cheio: colocou para tocar o CD do Palavra Cantada, uma dupla que faz umas músicas supercabeça para o público infantil, e que Paula e Pedro sempre adoraram. Ambos sabem todas as letras de cor. A rejeição foi unânime e a jato:
- Buuuuuuuuuuu!!!!!!!!!!!!! - gritaram as crianças, em coro, apontando os polegares para baixo. Até o pequenininho, de três anos, copiava os demais no gesto e no grito. Paulinha ficou sem ação.
- Não querem "Palavra Cantada"? O que vocês querem? Xuxa?
- Não!!!!!!!
- Arca de Noé?
- Não!!!!!!!!!!!!
- O que, então, gente? Eu não sei! Todos os baixinhos gritaram (e o Pedro junto):
- Upacanastar! Upacanastar! Upacanastar!
Pobre da minha amiga. Não fazia a menor ideia de que música era essa, nunca tinha ouvido falar de nada nem parecido. Aí, resolveu da forma mais simples possível: colocou "upacanastar" no Google, e descobriu que é uma "forma errada", digamos assim, de dizer "Oppan Gangnam Style", que é a primeira frase da música Gangnam Style, do cantor sul-coreano Psy, que fez muito sucesso por aqui. Não sei em que mundo a Paulinha vive, porque ela nunca tinha ouvido essa música "grudenta". Mas o fato é que ela achou o que as crianças queriam no YouTube. Elas dançaram aquela coisa chata umas duzentas vezes e depois foram dormir, exaustas e felizes.
Vendo o Pedrinho no meio dos amigos, quase desmaiado de cansaço depois de tanto brincar com a "gangue", Paulinha pensou: a fase de ouvir o Palavra Cantada com a mãe já passou. Agora é o "upacanastar" com os amigos. Foi a primeira manifestação de que um novo tempo está começando na relação entre mãe e filho e várias descobertas ainda estão à caminho...
Rituais de passagem: momentos em que uma mãe se dá conta de que o filho cresceu
Viviane Bevilacqua
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