No sinal fechado/ ele vende chiclete/ capricha na flanela/ e se chama Neymar.
Quando Chico Buarque compôs a canção Pivete, em 1978, Neymar nem pensava em existir, ele que tem 30 anos hoje. Se na música do Chico era um Pelé que vendia chiclete no sinal, hoje todo menino é um Ney.
Sim, isso foi um trocadilho de gosto duvidoso.
O guri pintado de prateado na esquina que faz embaixadinhas com a bola nas cores da Seleção.
Outro que pendura saquinhos de amendoim nos retrovisores dos carros e usa uma camisa 10 do Brasil uns cinco números maiores que o dele.
E também o que acompanha a mãe pelas ruas vendendo panos de prato, um álbum da Copa na mão.
A verdade é que a Copa do Mundo une gregos e baianos. Quem tem muito e quem vive atrás da máquina. Até os mais xiitas esquecem que o jogador tal prometeu homenagear fulano se marcasse no Catar, e querem ver gol.
Não precisa ser de placa, querem ver gol. Embora a Copa esteja sendo pródiga em golaços.
Copa do Mundo sempre me dá vontade de rever o filme Quando Meus Pais Saíram de Férias, do diretor Cao Hamburger. Lembra? A história, que se passa em 1970, é contada pelo menino Mauro, louco por futebol, que é deixado aos cuidados do avô paterno quando seus pais, militantes da esquerda, são obrigados a fugir para não serem presos pela ditadura militar.
Por conta de um problema de saúde do avô, Mauro acaba na casa de um vizinho solitário que não tem a menor ideia de como lidar com uma criança. O filme intercala os horrores da ditadura com a expectativa pela conquista do tricampeonato. Que acaba unindo todos na mesma celebração.
Sempre torço o nariz para a Copa do Mundo no começo da campanha. Ainda mais quando se vê o jeito como o futebol é usado politicamente, a camisa da Seleção servindo de uniforme na frente dos quartéis. Um gol do Richarlison depois, já quero o time todo desfilando em carro aberto na chegada, a sexta estrela grudada no coração dos brasileiros.
Brabo é ver a farra da carne folheada a ouro e continuar torcendo. Ou saber que o Militão acha muito pagar uma pensão de R$ 6 mil para filha, mas mete R$ 3 mil no cafonérrimo steak de ouro e desfila um relógio de R$ 3 milhões. Difícil separar essas coisas no momento em que tantos passam perrengue, mas é como diz um amigo, se a gente pensar muito, não torce nem para Grêmio e Inter.
No sinal fechado/ Ele vende chiclete/ Capricha na flanela/ E se chama Richarlison.
Nessas todas, é bom ter um Richarlison para contrabalançar a ostentação. Um também menino de 25 anos que mantém projetos sociais, fez campanha pela vacina e traz na cara a seriedade de uma vida que não foi fácil, e que por isso mesmo fez dele um sujeito diferente. No talento e nas atitudes.
Não sei o que é mais querido, o Richarlison fazendo a dança do pombo ou consolando o adversário coreano depois da esfrega de segunda passada. Pronto, virei fã. Fazia tempo que isso não me acontecia.
Enquanto isso, o Brasil joga com a Croácia na sexta, bem depois da entrega dessa coluna. Todo gol me serve, mas vou torcer para que sejam do Richarlison e do Raphinha, cria da Restinga. E se alguém me enxergar por aí de bandeira e com a camisa verde e amarela, deixo desde já o esclarecimento.
Não é golpe, é Copa.