Quando você estiver se preparando para mandar o seu currículo - ou aquela cartinha - para trabalhar numa cozinha que você admira, antes de apertar o botão enviar, ligue a televisão. Acesse as notícias do dia no seu celular. Esqueça, ainda que momentaneamente, o que você vê nos programas de gastronomia na TV. Eles divertem e tem o seu valor, mas agora é a vida real.
Estamos em modo espera. Esperamos passar por tudo isso. Esperamos salvar toda nossa equipe, que de certa forma, é a nossa família. Esperamos salvar os pequenos produtores. Esperamos salvar nossos sonhos e os deles também. Esperamos salvar nossos negócios. E, com sorte, até manter a nossa sanidade mental.
Seguimos com as portas fechadas, porque é a opção mais segura. Não tem salão, não tem gente falando, brindando, sorrindo e nem aplaudindo. Não tem glamour. Não tem holofote. Não tem moda, nem tendência! Agora, é a vida real.
O delivery é uma cozinha de sobrevivência. Tem a sua beleza se você conseguir enxergar para além do óbvio. Para isso, é preciso momentaneamente tirar o jaleco com nome bordado e vestir um avental surrado. É preciso trancar as expectativas na gaveta e juntar forças, fortalecer o trabalho do outro. Apoiar, ajudar, amparar. Ser menos eu e mais o outro.
Agora é a vida real, mas curiosamente isso vai nos tornando mais cozinheiros. Nos reconecta a alguma essência que se perdeu pelo caminho. Hoje, conta muito mais a boa vontade do que a verdade absoluta. Vale muito mais o suor no rosto do que a técnica supostamente perfeita. O gesto é muito mais importante do que a precisão asséptica das máquinas, que outrora tomaram o lugar das pessoas dentro das nossas cozinhas. A superação tempera a receita. E o tentar, o acertar e o errar fazem muito mais sentido do que simplesmente apertar um botão. A imperfeição traz de volta a humanidade!
Agora é vida real... e de certa forma estamos voltando a ser cozinheiros!