Escrevi neste espaço, recentemente, sobre uma certa dificuldade contemporânea em seguir receitas. Um impulso incontrolável de interferir, alterar ingredientes. Muitas vezes, por pura vontade de mudar.
Pois bem. Existe um comportamento que, digamos, é parente dessa compulsão de mexer nas receitas (mesmo sem nunca tê-las feito). É o hábito de pedir para trocar guarnições, temperos e afins na hora de escolher no restaurante. Todo mundo já fez isso, eu sei. Por gosto, por intolerância. O duro é quando a coisa se transforma num padrão.
Naquele almoço corrido, no intervalo do trabalho, não vai fazer diferença como você comporá seu prato. E não haverá estresse se o seu steak tartare for servido com fritas ou com salada, pois são opções já presentes no cardápio. Mas, num restaurante mais gastronômico, talvez não seja tão fácil – e prudente – fazer a mudança. Ela pode atrapalhar o fluxo da brigada de cozinha, por ser um desvio. E pode romper aquilo que o chef tinha concebido, pensando em combinações, equilíbrios (cozinheiros não são infalíveis, longe disso; mas vamos considerar que eles testaram antes de vender suas receitas).
Assim, aquela carne de sol puxada na manteiga de garrafa era servida com legumes grelhados e farofa por uma razão de ser. Quando você pediu para trocar tudo por purê de batatas, no entanto, sentiu manteiga com manteiga, untuosidade com untuosidade... sem contrastes, sem balanço. E ainda saiu dizendo: “A comida deste restaurante é pesada e enjoativa”.
Minha dica? Veja o que realmente incomoda num prato e olhe do novo o cardápio: talvez já exista uma sugestão mais adequada para você. Sem precisar alterar a proposição inicial dos cozinheiros. E pense comigo. Se você vai a um restaurante com menu assinado, tope a brincadeira, experimente o que o chef criou, do jeito que ele criou. Não apenas por uma questão de respeito com o profissional, mas como parte da experiência.
Caso contrário, melhor escolher uma casa com cardápio mais trivial (ou onde você já for cliente cativo) e pedir as coisas do seu jeito. Pois é importante ser feliz – mas deixar que os outros também sejam.
*Crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso, Luiz Américo Camargo escreve quinzenalmente para Destemperados
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Posso mexer no prato? | Luiz Américo Camargo
Destemperados
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