Preciso confessar algo: trabalhar com gastronomia não é tão fácil quanto parece. Seria desonesto da minha parte dizer que todos os lugares e pessoas que eu conheço pelo meu trabalho não tornam ele incrível. De fato, é a melhor parte.
A parte difícil é quando o costume de comer em ótimos restaurantes enrijece o paladar e fica cada vez mais penoso se surpreender com sabores e combinações que fogem do convencional. Estávamos há um tempo ansiando por uma comida que nos pegasse no pulo. E posso dizer que o Solos nos pegou.
Depois dessa experiência que matou nossa fome de algo que ainda não havíamos provado, parei para pensar o que tornou aquele jantar numa segunda-feira tão único. Pensei tanto que posso resumir em três palavras: propósito, autenticidade e coragem.
O primeiro deles diz respeito ao porquê. Uma vez, aprendi em uma palestra sobre empreendedorismo que um negócio de sucesso precisa ter seu porquê bem definido, a ponto dos clientes acreditarem nele também. Esse é o primeiro acerto do Solos.
O restaurante reconecta nós, latinos, brasileiros e porto-alegrenses, com as raízes da América Latina através da comida e dos drinks. Na cozinha, o chef Gustavo Nichterwitz pensou um cardápio em todos os seus detalhes, refletindo a identidade latina nos pratos.
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Existe uma imensidão de sabores e aromas dos ingredientes que merecem um novo olhar sobre o que é nosso. O propósito da casa é tão claro que, na sala do restaurante, a mesa de centro apoia um livro enorme, que chama atenção de quem senta no sofá. O título é Glossário de Ingredientes do Brasil. Abra e fique tão fascinada quanto eu fiquei em ver tanta identidade naquelas páginas.
Do bar, do mixologista Marcelo Pereira, saem drinks igualmente surpreendentes, com muita originalidade e ingredientes locais. O que nos leva ao segundo ponto, a autenticidade. Certamente, você não provou nada igual no cardápio ou na carta de drinks.
Lá não é lugar para quem não gosta de arriscar ou conhecer sabores novos. É preciso ir de peito (e paladar) aberto para experimentar e deixar ser levado por essa viagem gastronômica pelo continente latino. Vamos começar?
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Vale dizer que o cardápio da casa é enxuto, mas muito bem detalhado. A descrição de cada prato mostra a complexidade da cozinha e toda riqueza de ingredientes. Começamos pelos drinks, com o Fernet Sour (R$ 37), uma releitura do clássico Whisky Sour com um toque argentino e tropical, já que leva limão e abacaxi.
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Minha escolha foi o Flamboiã (R$ 35), que leva Weber Haus amburana, vermute rose, soda de morango e xarope de hortelã. Ganhou o título de preferido da mesa. O terceiro drink foi o Ubinas (R$ 38), que roubou a cena do jantar. O drink que leva até aperitivo de alcachofra é finalizado na mesa, com uma defumação de amêndoa de butiá. O aroma dá um toque suave para a bebida e perfuma o ambiente.
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O restaurante dá um destaque especial para os pescados, que estão em todas as partes do menu. Inclusive, nos drinks! O Ostra Martini (R$ 45) leva água de ostra na composição, além de uma ostra fresca acompanhada. As receitas com o crustáceo estão disponíveis apenas de sexta-feira a domingo.
Na seção dos frescos, provamos a Tostada Pacová (R$ 26), uma tortilla de trigo que leva pasta de abacate, banana da terra com tucupi negro e vinagreta de feijão manteiguinha, um ingrediente com a cara do norte brasileiro.
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O Acevichado Limeño (R$ 42), também como entrada, é um ceviche clássico, com peixe fresco e chips de batata doce para pescar os cubos no bowl. O Tiradito Cajuína (R$ 40) encerrou nosso primeiro momento da noite com chave de ouro. Trata-se de atum da melhor qualidade, imerso num suco de caju, crocante de tempura e pimenta.
E como atum fresco nunca é demais, provamos o Atum em Patacones (R$ 40), discos de banana da terra frita com tartar agridoce de atum, creme azedo e coentro. A apresentação do prato é linda, com conchas que formam um berço para os patacones.
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A primeira parte da noite deixou altas expectativas para os pratos principais. Começamos por uma Asinha Recheada (R$ 27) com linguiça e provoleta. O Arroz Aderezado (R$ 45) é diferente de tudo que já comi. O grão é um arroz sofrito, com emulsão de milho e alho negro, que dá um toque mais cítrico ao prato. Leva também queijo fresco, castanha de caju e a marca registrada da casa, coentro.
A Milanesa da casa (R$ 59) foi uma forte concorrente ao atum, embora não seja comparável. Já que se trata de uma carne suculenta, no ponto exato da entraña. O filé é com uma espessura alta, o que junta o melhor dos dois mundos: a crocância da milanesa e a suculência da carne mal passada. Para completar esse espetáculo, uma salada de batata que lembra os churrascos de família nos domingos. Um prato que, embora seja tão familiar, me surpreendeu muito!
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Para os doces, há apenas uma opção: Torta de milho e cumaru (R$ 26), no estilo basca, feita com milho verde. Acompanha uma calda de caramelo de café, que dá uma quebra no doce. Uma sobremesa simples, deliciosa e fora do convencional.
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Conversando com o chef Gustavo, que nos contou sobre a recém-iniciada história do restaurante, cheguei ao terceiro e último ponto: a coragem. Três meninos (Gustavo, Marcelo e Jackson) que decidiram largar seus empregos no restaurante que trabalhavam há anos para criar um espaço deles - ou melhor, nosso.
Começar, do zero, uma ideia de restaurante que representasse tanto a identidade dos chefs e, ao mesmo tempo, contemplasse muitos solos exige uma boa dose de coragem, já que não tem precedentes assim na Capital. Uma inspiração expansiva que te convida para enxergar na comida e na bebida as raízes latino-brasileiras.
Encerrei a noite com um sorriso no rosto. Por experienciar um jantar cheio de significados, dos quais eu me identifico e pude conhecer ainda mais. Sobre sabores, sobre combinações, sobre ingredientes do meu país. Uma comida que conta uma história. Sente-se, prove e ouça!
SOLOS
Endereço: Rua Felipe Neri, 81, no bairro Auxiliadora
Horário de funcionamento: de segunda-feira à sábado, das 19h à 00h. Aos domingos, das 11h45min às 15h.
@solos.poa