
Há 10 dias de mais uma edição do Oscar, o meme "não sou capaz de opinar", que surgiu na transmissão da cerimônia de 2016 com a atriz Gloria Pires, volta a atrair a atenção do público. Gloria será indenizada pelo uso indevido em publicidade, sem a devida autorização, de sua imagem pela escola de cursos Me Passa Aí – Edições, Produções e Empreendimentos. O processo havia iniciado em 2019.
Conforme o processo judicial, a escola de cursos, registrada na cidade de Bom Jesus de Itabapoana, no Rio de Janeiro, utilizou sem autorização a imagem da atriz em um anúncio. Na publicação, a empresa trazia a questão: "O que você achou da aula de cálculo?" e, entre as respostas de múltipla escolha, estava a opção “não sou capaz de opinar”, com a imagem da atriz.
A escola foi condenada a reparar Gloria em R$ 15 mil por danos morais. No caso, não houve condenação sobre danos materiais por falta de provas apresentadas. Ambas as partes ainda podem entrar com recursos contra a decisão.
A estratégia de utilizar memes em campanhas publicitárias ou em conteúdos diversos tem sido cada vez mais explorada pelas marcas, principalmente no contexto digital. Mas qual o limite do uso? Até onde o meme pode ir?
Quando um conteúdo viraliza na internet, muitas vezes, os usuários passam a ser bombardeados com diversas publicações sobre o assunto e a sua ampla repercussão pode trazer a sensação de familiaridade. Mas é preciso ficar atento, pois a viralização do meme não traz a liberdade para uso indiscriminado da imagem.
— Mesmo sendo amplamente compartilhado e disseminado nas redes sociais, o meme ainda é protegido por direitos autorais e de imagem. O uso de imagens ou conteúdos em memes pode, sim, violar direitos de personalidade de indivíduos, especialmente se envolver a honra ou a privacidade das pessoas retratadas. Além disso, o meme também pode violar os direitos do autor da obra original que foi utilizada — explica o advogado Lucas Euzebio, sócio do escritório especializado em tecnologia, Silva Lopes Advogados.
Dano presumido
O caso da Gloria Pires não é exclusividade da atriz por ser uma figura pública e trabalhar com a sua imagem. O professor de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bruno Miragem, afirma que tanto o nome quanto a imagem de qualquer pessoa não podem ser utilizados para fins comerciais sem autorização.
— A gente chama de dano, no juridiquês, in re ipsa, que é o dano presumido. Se eu usar a imagem de alguém sem essa pessoa me autorizar, presume que ela sofreu um dano, porque é a imagem dela. Isso vale pra ela e vale pra mim, ou pra você, que não somos pessoas públicas. Não é porque ela é famosa ou deixou de ser famosa, que ela ganha mais ou ganha menos. Toda pessoa tem direito à sua própria imagem, os chamados direitos da personalidade, que todos nós temos desde o nascimento — detalha Miragem.
Mas em alguns pontos, o entendimento da lei pode ser diferente para figuras públicas. Conforme o advogado e mestre em Propriedade Intelectual, Felipe Pierozan, em algumas circunstâncias, existe uma liberdade para o uso da imagem, mesmo sem autorização.
— Por um lado, a gente tem o direito de personalidade da pessoa, mas também tem a liberdade de expressão. Quando se coloca um caso no Judiciário, a gente tem que ver quais são os limites. Se houve excesso ou não. Caso não tenha ocorrido, a gente termina com a liberdade de expressão. O que não dá para fazer é pegar uma situação e, a partir dela, vincular a imagem da pessoa à marca e começar a rentabilizar, em cima disso, como se fosse uma campanha publicitária licenciada — pontua Pierozan.
Liberdade de expressão
Essa é a mesma liberdade que permite a criação de memes, sátiras e paródias. O limite da liberdade de expressão acaba quando o conteúdo tem fins comerciais ou faz uso negativo, que seja prejudicial, da imagem da pessoa.
— O uso de memes pode ser liberado em situações onde a imagem é utilizada de forma que não prejudique a honra, a reputação ou a privacidade das pessoas envolvidas. Segundo a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), o uso de memes é permitido como forma de paródia, desde que não descredite a obra original. No entanto, o uso comercial sem autorização ou em contextos que possam causar danos à imagem da pessoa ou do autor da obra pode ser questionado judicialmente — enfatiza Euzebio.
Além disso, Miragem acrescenta que figuras públicas estão submetidas à crítica e também podem ter uso da sua imagem vinculado a conteúdos negativos.
— Existe alguma exceção, daquilo que não seja para fins comerciais, para pessoas públicas. Se eu vou criticar o governador do Estado, por exemplo, e coloco uma fotografia dele, se a crítica for razoável, não for ofensiva, então está tudo bem. Ele está submetido à crítica — comenta.
Diferentemente da imagem e do nome, expressões e frases isoladas não ficam sob proteção da lei e podem ser uma forma de utilizar um meme para conseguir engajamento de forma segura. No caso da Gloria Pires não haveria condenação se a escola tivesse utilizado apenas a expressão “não sou capaz de opinar”, sem a imagem da atriz.
— No caso das frases soltas, desses memes que estão se multiplicando na internet, não existe proteção igual a imagem. O que pode acontecer é utilizar trechos de música, de livros que são reconhecidos, de obras consagradas. Esses, eventualmente, são protegidos por direito autoral, aí é outra história, mas as frases isoladas que são ditas e capturadas, assim, a êxodo, divulgadas na internet, não tem direito autoral — esclarece o professor.
Caso o uso da imagem seja imprescindível para o conteúdo ou publicidade de uma marca, Euzebio alerta que é fundamental adquirir o direito de uso. De preferência, deve ser feito um acordo formal por escrito, a fim de evitar riscos legais.
— Ao utilizar memes ou imagens da internet com grande repercussão em uma propaganda, é fundamental obter a autorização dos indivíduos retratados ou dos autores das imagens. Deve-se garantir que o uso não infrinja direitos de imagem ou autorais, respeitando os limites do consentimento explícito. Além disso, é preciso ter cuidado para que a imagem não seja utilizada de forma a prejudicar a honra ou reputação de alguém, evitando distorções que possam gerar danos morais — informa.
Além dos riscos legais, o uso de memes na publicidade deve ser feito de forma acurada. A professora de Publicidade e Propaganda na UniRitter e mestre em Comunicação, Camila Morales, alerta que é preciso atenção a alguns pontos antes de utilizar essa forma de expressão.
Uso na publicidade
— Nos memes, rimos de algo. O primeiro passo é perguntar "de quem o meme ri?" Essa avaliação é essencial para evitar a reprodução de estereótipos ou preconceitos. Alguns memes, por exemplo, me incomodam pelo etarismo—pessoas mais velhas são ridicularizadas e percebo que isso passa batido por pessoas mais jovens. Isso pode acontecer com qualquer grupo e reforçar visões excludentes. Para marcas isso é muito arriscado, daí a importância do primeiro passo para o emprego do meme na publicidade — explica a publicitária.
O primeiro passo na hora de usar um meme pode se tornar um desafio quando observada a segunda etapa: o timing, o momento da viralização em que o conteúdo se encontra. O uso do meme no timing errado pode trazer resultados negativos para a marca.
— Ele precisa de um timing perfeito. Tem que ser popular o suficiente para as pessoas entenderem o meme, mas tem que ser novidade o suficiente para a marca não ganhar uma imagem de ultrapassada ou de quem não entende das tendências corretamente. E para conseguir esse timing, fazer a primeira avaliação é um problema, porque você tem que fazer isso muito rápido — comenta a professora.
Para entender o momento em que o meme se encontra, é preciso ter profissionais especialistas em redes sociais que consigam identificar o estágio de viralização do conteúdo.
O terceiro ponto destacado por Camila é se atentar aos valores da marca e se neles cabem esse tipo de linguagem.
— Existem perfis de marca que melhor se adaptam a memes e outros que não se adaptam. Os memes conferem a essas marcas determinados valores, por exemplo, dela ser acessível porque o meme se oferece para todo mundo. Além disso, elas precisam ter condições de usar o humor na sua comunicação. É uma escolha de imagem, de posicionamento de marca, de propósito de marca — pontua.