Um dos maiores assaltos da história do Paraguai ocorreu em 2017, quando cerca de 30 bandidos, fortemente armados, entraram em uma seguradora de valores e levaram mais de US$ 11 milhões. Considerado o "roubo do século" pela mídia, o caso foi conduzido pela polícia do país vizinho e também pela Polícia Federal brasileira. Uma detalhada investigação no material genético dos envolvidos foi crucial, mostrando que os envolvidos eram do Brasil.
O caso real é impressionantemente cinematográfico. E, assim sendo, despertou o interesse do cineasta Heitor Dhalia, que decidiu criar, a partir desta história, DNA do Crime, a primeira série nacional de ação policial investigativa da Netflix. Colocando ficção em cima dos fatos, o diretor e idealizador do projeto constrói uma narrativa explosiva, intrigante e com status de superprodução — a estreia ocorre nesta terça-feira (14).
É possível compreender a pomposidade da série ao ver o vasto mapa de locações da produção: no Paraguai, as gravações foram realizadas em Ciudad del Leste e em Assunção. No Brasil, as rodagens ocorreram na capital e em mais sete cidades de São Paulo. Ainda foram feitas tomadas no Paraná — com destaque para Foz do Iguaçu —, Santa Catarina e em Mato Grosso do Sul.
Mas não é apenas a quantidade de locais onde a série foi gravada que mostra o quanto foi investido para apresentar este novo produto para o público — a qualidade não deixa nada a desejar para as produções gringas. DNA do Crime é realmente grandiosa. E leva para o streaming a experiência de Dhalia no cinema, tanto brasileiro quanto de Hollywood, bem como a bagagem de outras produções televisivas do gênero.
Para realizar as cenas de ação, a equipe da Netflix usou nada menos do que 1.829 armas e 95 litros de sangue artificial. Também foram utilizados 146 veículos, entre carros, motos, caminhões, barcos e aviões. E o mais interessante, que dá uma boa dimensão do que o espectador vai encontrar: Dhalia e seus técnicos produziram nove situações de explosão — ou seja, mais de uma por episódio, uma vez que a série conta com oito capítulos, com mais ou menos uma hora cada.
Inspiração na realidade
— DNA do Crime é uma série que captura um nervo central do Brasil atual, que é essa questão de segurança pública. O crime organizado, as facções, os assaltos a banco e os domínios de cidade. Então, é uma série que traz todos esses temas e, depois, vem a questão do DNA e da fronteira. A produção tenta capturar essa complexidade das relações criminais do Brasil — explica Heitor Dhalia, em entrevista para GZH.
O criador do programa conta que a grande extensão da fronteira seca na divisa com o Paraguai propicia o tipo de crime que é retratado na série — o de domínio de cidade, que é executado por grupos de diversos criminosos, divididos em tarefas específicas, que subjugam a ação do poder público com armamento pesado. Segundo Dhalia, esta modalidade é totalmente "made in Brazil".
— É um hub criminal que as pessoas não conhecem, esse tipo de assalto só tem no Brasil. Nenhum outro país tem isso, de grupos que dominam as cidades. Não existem em nenhuma literatura. Então, eu acho que a série mostra um pouco disso, colocando adrenalina e emoção nesta história — comenta o cineasta.
Dhalia, que tem em sua carreira filmes nacionais — O Cheiro do Ralo (2006) — e estrangeiros — 12 Horas (2012), estrelado por Amanda Seyfried —, veio se especializando nos últimos anos em séries de ação, como o sucesso Arcanjo Renegado, iniciada em 2020 e que garantiu renovação até a quinta temporada. Desta empreitada, ele foi coletando peças para juntar e criar o seu mais novo trabalho, mas tendo como principal referência os fatos.
— A minha maior inspiração foi a realidade. Eu trabalhei com muitos consultores, com muitos policiais, muitos egressos do sistema penal, muitos ex-assaltantes de bancos, chefes de força tática, policiais federais, policiais civis, peritos. Então, é um mergulho profundo nas estruturas da polícia e do crime. A gente, então, quis fazer uma série que dialogasse com muita gente, brigando por uma audiência grande, com uma história brasileira. Temos a nossa multinacional do crime — ressalta.
Claro que a história, mesmo bebendo na verdade, traz a ficção como poderosa costura dos fatos. A trama de DNA do Crime acompanha o policial federal Benício (Rômulo Braga) que, após perder um amigo, fica obcecado por capturar os criminosos — eis que ele descobre que os assaltos ao Paraguai podem estar ligados com o assassinato que tanto lhe atormenta, sendo o principal ponto entre os dois acontecimentos o malvadão Sem Alma (Thomás Aquino).
Para ajudar na missão, Benício contará com a policial Suellen (Maeve Jinkings), que recém voltou da licença-maternidade e tem uma família com que se preocupar. A improvável dupla então conduz o protagonismo da trama, que tem grandes doses de ação, mas também, abre espaço para a ciência mostrar a sua importância na resolução dos crimes. Tudo bem dosado e bem-produzido. DNA do Crime tem tudo para ser um hit da Netflix.
Para Dahlia, é só questão de ter o sinal verde por parte do serviço de streaming para desenvolver a segunda temporada, pois novos crimes cinematográficos não deixam de surgir no país:
— O Brasil é uma fábrica. Não para. Fontes de inspiração aparecem todo dia. Parabéns para o pessoal, viu? Eles trabalham. Não sei se é tão bom assim para o país, porque é um problema que vai ter de ser resolvido em alguma hora, mas para a dramaturgia é muito bom, porque história não vai faltar nunca.