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Em tempos em que a guerra da TV aberta e a do streaming marca o mercado audiovisual, A Dona do Pedaço chega ao fim nesta sexta-feira (22) com uma série de elementos que mostram o quanto a teledramaturgia impacta a sociedade brasileira. Alguns capítulos da atual novela das nove da Globo registraram mais de 40 pontos – superando a última semana de Segundo Sol (folhetim da mesma faixa), exibida em novembro do ano passado.
Protagonizada por Juliana Paes, no papel de Maria da Paz, a trama assinada por Walcyr Carrasco mostrou a ascensão e a queda da boleira diante dos planos audaciosos de sua filha, Josiane (Agatha Moreira), ao lado do playboy Régis (Reynaldo Gianecchini). Ao mesmo tempo, o público se divertiu com a vida da influencer Vivi Guedes (Paolla Oliveira), assim como com a ousadia da ex-noviça Fabiana (Nathalia Dill).
Especialistas em TV afirmam que A Dona do Pedaço mostra que o produto novela está mais forte do que nunca. Segundo Valmir Moratelli, pesquisador de teledramaturgia e doutorando em Comunicação pela PUC-RJ, a personagem defendida por Paolla Oliveira foi um exemplo disso, que transcendeu a ficção ao vermos um perfil real da influencer no Instagram.
Para Mauro Alencar, pós-doutorando em Teledramaturgia no Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa, o fato de a novela ser um clássico folhetim melodramático foi fundamental.
Veja abaixo os elementos que explicam o sucesso de A Dona do Pedaço:
Maria da Paz, o espelho do brasileiro
A rede Bolos da Paz, segundo Alencar, simboliza a superação dos obstáculos para uma grande conquista de valor pessoal e social. Moratelli acredita que a identificação com Maria foi imediata, "ainda mais em um momento de tanta desesperança e crise no país".
A boleira mostrou, sobretudo, a sociedade caminhando "aos trancos e barrancos" para garantir seu sustento e o de sua família por conta própria, sem poder contar com o Estado ou com empresas, de acordo com Moratelli:
— Ela é a própria empresa! Trabalha dia e noite, sem férias, sem descanso, tem tempo livre. Quantas famílias brasileiras não vivem atualmente a mesma situação? Maria da Paz não é vista na praia, em lazer. Seu local de cena é sempre a fábrica ou a loja de bolo — compara o pesquisador.
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Carisma de Juliana Paes
Os dois estudiosos concordam que a escalação de Juliana Paes para o papel foi importante para o sucesso da novela.
— A música de abertura ("Quem cultiva a semente do amor, segue em frente e não se apavora...", trecho de Tá Escrito, do grupo Revelação) , por si só, envolvendo o preparo de um bolo (ou o bolo envolvendo a música), já prenunciava o sucesso da novela e da personagem/atriz — aponta Alencar.
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Fabiana, a ex-noviça
As transformações abruptas dos personagens também garantiram o carinho da audiência. Para Alencar, Fabiana (Nathalia Dill) é um desses exemplos, ex-noviça que ele considera "sensacional":
— Tanto a personagem quanto a atriz Nathalia Dill foram incríveis. Se estivéssemos em época de ditadura, como na década de 1970, dificilmente essa personagem passaria pelo crivo dos censores, como ocorreu na novela O Bofe, de Bráulio Pedroso, em 1972.
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Walcyr Carrasco e o texto repetitivo
Simples, direto e repetitivo. Assim o texto de Walcyr Carrasco é definido por Moratelli, que aponta estes elementos como importantes para agradar o espectador. Ele cita, por exemplo, as várias vezes em que Josiane (Agatha Moreira) afirma que prefere ser chamada de Jô ou, então, Fabiana dizendo "que foi criada em um convento".
— Carrasco escreve como um papagaio, repetindo a mesma frase para grudar na cabeça do telespectador. A fórmula deu certo — aponta Moratelli.
Segundo Alencar, Carrasco consegue transitar com desenvoltura em diferentes tipos de obras - desde infantojuvenis (como Sítio do Picapau Amarelo) a dramas realistas (Verdades Secretas) - e, por isso, consegue representar a fábula contemporânea com eficiência:
— Ele recebe influência direta da obra de Monteiro Lobato, das histórias em quadrinhos, do romance O Apanhador no Campo de Centeio e do universo dos Irmãos Grimm e Walt Disney. (...) Por isso, utiliza várias figuras de linguagem e estilos (a alegoria, o apólogo e a parábola). Tudo isso sempre com uma questão moral de um mundo mais justo, ou a lei do retorno, como base.
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Vivi Guedes, real ou ficção?
O talento de Paolla Oliveira diante do papel da influencer - e a crítica realizada pelo personagem (da exposição desenfreada nas redes sociais) - também se destacaram na trama. Alencar acredita que Vivi serviu para mostrar a evolução da teledramaturgia, que está "acompanhando no tempo e no espaço a dinâmica humana".
Moratelli acredita que a influencer ajudou a mostrar que a telenovela se "reinventa e aglutina toda forma de comunicação":
— As pessoas seguem Vivi imaginando interagir com alguém real. É a novela transcendendo o espaço físico de uma grade televisiva. Quem disse que a novela estava com os dias contados, depois de A Dona do Pedaço, precisará rever seus conceitos. Ela está mais forte do que nunca — afirma Moratelli.
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Coerência (ou falta dela)
A escalação de Betty Faria como a mãe do personagem de Marco Nanini (sete anos mais novo que ela), a procuração perdida que garantiu o poder da fábrica para Maria da Paz e uma ex-noviça interesseira. Essas situações questionáveis renderam reclamações nas redes sociais e da crítica especializada, mas, ao mesmo tempo, elevaram a novela como um produto de entretenimento.
No caso de Cornélia (Betty Faria) e Eusébio (Marco Nanini), Walcyr Carrasco conseguiu alterar a trama e, em um diálogo, colocou os dois como irmãos.
— Este relato da questão etária de Cornélia e Eusébio é interessante para provocar a discussão da aparência física quando se escala atores mais velhos na reprodução da hierarquia familiar. Não se pode deixar de lado a coerência da realidade em nome de uma ficção meramente ilustrativa. O recorte que o telespectador pede, ao se inserir na trama, é que haja um mínimo de concordância com as possibilidades de transferência da realidade para a fantasia. Sem isso, não há como embarcar na história — explica Moratelli.
As outras situações, segundo Moratelli, conseguiram receber ajustes por conta da novela "ser uma obra aberta":
— O público reclama de um final de um filme, da morte sem sentido de uma personagem no meio de uma série, assim como questiona a veracidade de uma cena de novela. O que é sinal de que o público comprou a ideia, porque está inserido nela, acredita que aquilo é verossímil, então ele quer que tudo seja factível.
Para Alencar, o público quer mesmo saber de "uma história bem contada, interpretada e produzida, com clareza de intenções".
— Em nosso mundo, quem consegue viver sem uma boa dose de ficção? — questiona Alencar.
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A mudança da sociedade
As tramas da transsexual Britney (Glamour Garcia) e do gay Agno (Malvino Salvador) chamaram a atenção do público. Segundo Moratelli, as telenovelas da Globo se preocupam em "se situar dentro de debate social, contextualizando os anseios, as críticas, as crises e as transformações pelas quais o Brasil passa".
Ele recorda que, em 1996, o casal gay Jefferson e Sandrinho foi negado pela audiência na novela A Próxima Vítima, enquanto que em 2017 o público torceu pela trans Ivana em A Força do Querer.
— O que mudou de 1996 para 2017? A sociedade! E com isso a novela acompanha. Estes temas na ficção são necessários para naturalizar e desmistificar algo que já está em debate em nossa realidade há tempos — aponta Moratelli.
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BÔNUS
Os especialistas consultados por GaúchaZH elegeram as cenas/momentos mais impactantes de A Dona do Pedaço:
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Dulce, a avó assassina
"A cena em que a personagem de Fernanda Montenegro se torna uma assassina na primeira fase da trama, com direção impecável de Amora Mautner. É um primor!" (Moratelli)
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O caso de Régis e Josiane
"O momento em que Maria da Paz descobre que seu marido e a própria filha tinham um caso debaixo de seu teto. Foi um dos bons índices de audiência da trama". (Moratelli)
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Propagandas
"A inserção de merchandising ao longo da trama, trazendo os anunciantes para dentro da trama e depois os personagens para fora dela" (Moratelli).
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As conquistas de Maria da Paz
"Sua chegada a São Paulo e a construção da vida a partir do zero; essa sequência deverá entrar para os melhores momentos da teledramaturgia mundial" (Alencar).