A palavra “procedural” pode não ser familiar ao telespectador brasileiro. Mas o que ela mostra certamente é – aqueles seriados baseados na rotina de um ambiente profissional, como hospitais (Plantão Médico), delegacias de polícia (Law & Order) ou escritórios de advocacia (Suits). No Brasil, um exemplo é Sob Pressão, da Globo, que se passa num hospital público do Rio de Janeiro. Agora, a Globo apresenta seu primeiro “procedural” numa área diferente, a educação.
Segunda Chamada, que estreia nesta terça-feira (na RBS TV, às 23h2min) é uma coprodução da Globo com a
02 Filmes. Foi inspirada pela peça Conselho de Classe, de
Jô Bilac, que assina a criação da série com Carla Faou e Julia Spadaccini. A direção artística é de Joana Jabace. Radicada no Rio, ela precisou se mudar para São Paulo durante as 12 semanas de gravações, 85% delas noturnas. Isso porque Segunda Chamada se passa no universo da Educação para Jovens e Adultos (EJA), modalidade de ensino público voltada para aqueles que, por alguma razão, não puderam estudar na infância. As aulas costumam ser à noite, já que a maioria trabalha de dia.
Quase toda a ação da série transcorre na fictícia Escola Estadual Carolina Maria de Jesus — nome escolhido em homenagem à escritora negra mineira autora do referencial livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada (1960). Cada um dos 11 episódios é centrado na história de um aluno, entre eles a transexual Natasha (estreia da cantora Linn da Quebrada como atriz de TV); Solange (Carol Duarte), uma mãe solteira; Maicon (Felipe Simas), um motoboy desempregado; e Jurema (Teca Pereira), uma mulher idosa.
Os dramas dos professores atravessam toda a temporada. A protagonista Lúcia (Débora Bloch), que ensina português, volta a lecionar depois de uma tragédia pessoal e vive um caso extraconjugal com o diretor Jaci (Paulo Gorgulho). O corpo docente inclui Sônia (Hermila Guedes), de história e geografia, Eliete (Thalita Carauta), de matemática, e Marco André (Silvio Guindane), de artes. Caio Blat faz Paulo, um professor de literatura do período diurno, personagem que traz a chave para um mistério da trama.
Diretora e integrantes do elenco concordam que a série estreia num momento delicado, em que o sistema educacional brasileiro vive a ameaça de um desmanche generalizado.
— Estamos vivendo a vitória da ignorância, da falta de educação — diz Débora Bloch. — Acho um absurdo que professores sejam perseguidos em sala de aula. Escola não é lugar de repressão. É lugar de debate.
Preparação
Durante a preparação para viver Lúcia, Débora Bloch visitou escolas que oferecem ensino para jovens e adultos no período noturno. Já na primeira instituição em que esteve, um choque:
— Você chega no escuro, sobe três andares até ter luz dentro da escola.
É esta realidade da educação no Brasil, que passa por problemas tão primários como a falta de recursos básicos até outros desafios como o de evitar a evasão de alunos, que Segunda Chamada vai abordar.
A proposta da série é mostrar, de forma realista, a luta de professores e alunos que, apesar das dificuldades sociais, econômicas e pessoais, estão dispostos a aprender e a ensinar.
— Chegam depois de uma jornada de trabalho, já cansados e, mesmo assim, estão ali na escola, investindo em uma transformação e acreditando que aprender vai transformar a vida deles. E transforma, apesar de todas as dificuldades — afirma Débora.
Ao conversar com professoras reais, a atriz conta que foi interessante observar como elas são comprometidas com seus alunos:
— Fizeram questão de me falar de cada aluno, a dificuldade de cada um. A minha personagem tem essa característica para além até do que essas professoras que eu conheci. Vai inclusive criar alguns problemas para ela e para a escola, porque quer resolver as dificuldades dos alunos para além da sala de aula.
— Não existe país sem educação, não existe nação, não existe civilização sem uma boa educação e sem cultura — afirma Débora.
Caio Blat diz que a série vai mostrar como a educação pública ainda é abandonada no país:
— E o quanto os professores têm de ser super-heróis para lidar com falta de recurso e com uma realidade que invade a sala de aula o tempo inteiro, a violência.
Para ele, é um absurdo o cerceamento que os docentes estão sofrendo.
— O professor tem que receber todo apoio e toda liberdade para debater qualquer tema que ele achar pertinente na sala de aula. Todos os temas são importantes dentro da sala de aula. Política tem que ser falada dentro de sala de aula, educação sexual tem que ser falada dentro de sala de aula.