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Destaque da programação do 9º Festival de Inverno, a jornalista e crítica de cinema Isabela Boscov vem a Porto Alegre para ministrar, entre terça-feira (25) e quinta-feira (27), a partir das 14h30min na Sala Álvaro Moreyra do Centro Municipal de Cultura (Erico Verissimo, 307), o curso A Nova Era de Ouro da TV Americana, uma análise panorâmica da revolução narrativa por que passaram as séries de televisão americanas a partir do que ela considera o marco zero da renovação: Sopranos, criada por David Chase e exibida pela HBO a partir de 1999.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, ela adianta temas do curso e fala do atual quadro da produção televisiva.
A senhora vem ministrar um curso sobre "A Nova Era de Ouro da TV americana". Para a senhora, qual o marco inaugural dessa era?
Sopranos, com certeza. Do ponto de vista dramatúrgico, de linguagem, de definir cada temporada como um arco dramático completo que depois forma um arco maior ao final de toda a série, tudo isso é legado de Sopranos.
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Sua abordagem no curso deve se concentrar mais nos aspectos estéticos e narrativos ou nas mudanças que a TV, principalmente a americana, sofreu como modelo de negócio?
As duas coisas caminham juntas. Na indústria de entretenimento, é muito difícil separar inovações em linguagem, em dramaturgia, em tendência, das condições de mercado. Tem uma medida de pioneirismo, quem faz primeiro leva o crédito. Como comentei, Sopranos é o marco mais importante dessa renovação, mas surge em um momento em que 90% dos municípios americanos têm acesso à TV a cabo. Com esse público expressivo, se pode fazer coisas diferentes porque aquilo vai encontrar uma audiência. Agora, com o streaming, estamos vendo outras inovações. As evoluções técnicas e estéticas sempre caminham pari passu.
Em seu livro sobre a era da ouro das séries contemporâneas, Homens Difíceis, Brett Martin também aponta a evolução técnica dos aparelhos de TV como um diferencial para que as emissoras apostassem em produções mais ambiciosas. A senhora concorda?
A TV de tela plana, formato 16x9, foi essencial para essa renovação, justamente por reproduzir o formato da tela do cinema e libertar a narrativa daquelas convenções que eram necessárias à televisão: você precisava usar muito mais close, plano e contraplano, cenário com menos profundidade. Na verdade, hoje, com a TV digital, somada à tela plana e às câmeras digitais, muito ágeis e com uma qualidade de imagem que avançou muito, você pode ter uma produção de TV que é, em essência, indistinguível do cinema em termos estéticos e de linguagem. Isso é muito libertador para a narrativa, porque significa que não há universo ou cenário que a TV não possa abordar.
Ao mesmo tempo, hoje, multiplicaram-se as telas em que se assiste a TV. Isso também deve impactar o formato?
É difícil avaliar. Nos Estados Unidos, já há uma um contingente de 15% a 20% da população que não tem mais tela de TV, assiste a tudo no tablet, no computador, eventualmente no Smartphone, o que eu acho uma loucura (risos). Se você está acostumado a outro formato, pode parecer que esse não tem o escopo para assistir da maneira certa. Mas é tudo questão de hábito. E você tem hoje uma geração acostumada nesse formato, e talvez para ela não faça diferença. O fato é que a TV continua brigando para ser TV. Por mais que se fale que as pessoas assistem em tablets, os longas que a Netflix tem feito ou as séries que ela e a Amazon Prime têm estreado são concebidas de maneira a competir com as emissoras AMC ou HBO. A competição continua sendo pela tela maior.
Sempre se discutiu que a TV, por ser um veículo presente nas casas dos espectadores, não tinha espaço para a radicalidade de coisas que encontravam lugar no cinema, em que o público precisava sair de casa, comprar ingresso etc. Isso mudou?
Se você olhar especificamente o fenômeno americano, a televisão aberta está sujeita a padrões de comportamento muito estritos. Basta lembrar o escândalo que ocorreu quando Janet Jackson desnudou um seio numa apresentação na final do SuperBowl. O cabo não está sujeito a esse padrão, porque é eletivo. Essa é uma interpretação de origem: a TV aberta entra na casa das pessoas, o cabo a pessoa escolhe se assina ou não. Então, de fato, com a possibilidade de você usar o cabo para produzir TV de qualidade, ampliou-se a gama de personagens, de possibilidades, de abordagens. A TV aberta respondeu da maneira que podia. Você vê que há ótimas séries na TV aberta, como The Good Wife, muito bem escrita, mas você nunca vai encontrar um palavrão, uma cena de nudez, comportamentos nefastos que não sejam punidos ao longo da narrativa. Ela está sujeita ainda a essas estruturas.
A Netflix, aclamada há poucos anos como a revolução de qualidade do formato TV, amargou duas séries de péssimas críticas recentemente, Gypsy e Friends From College. O fôlego da revolução está se desgastando?
Na verdade, a TV hoje é um ambiente tão competitivo que a taxa de cancelamentos é de 50% a 60% em qualquer esfera da produção. Põe no ar, não deu certo? Tira do ar, porque você precisa canalizar recursos para outra coisa. Sempre houve isso, mas hoje coisas como audiências, piloto descartado, cancelamentos são mais visíveis para o público. Acho que está todo mundo procurando o novo Walking Dead, o novo Game of Thrones... Achar o novo Breaking Badé uma obsessão. Acho difícil dizer que a gangorra está descendo, não sei nem se é uma gangorra. Quem está em situação complicada são as redes que foram pioneiras: HBO (Sopranos, The Wire) e AMC (The Walking Dead, Breaking Bad, Mad Men), porque a concorrência que veio com a Amazon e a Netflix é grande: são corporações com fundos quase ilimitados e dispostas a fazer dumping: vender barato para conseguir mais espectadores. Existe uma expectativa da indústria de que HBO, AMC, ShowTime (Dexter, Homeland) reajam. Mas cada vez mais a disputa por profissionais de primeira linha é maior. Por isso, me parece que o momento é fértil e muita coisa inesperada pode surgir ainda na TV.
Para encerrar, qual é o seu top cinco de séries?
Nossa, isso de top cinco é uma dificuldade... Sem nenhuma ordem em particular: Mad Men, Sopranos... Tem séries curtas maravilhosas. Silicon Valley acho extraordinária. Gosto muito de Breaking Bad, mas gosto mais ainda de Better Call Saul. A última temporada de House of Cards foi uma decepção, mas as primeiras, com certeza. E as quatro, cinco primeiras temporadas de Walking Dead.
E o que está vendo agora?
Uma série da Netflix, Ozark, coproduzida pelo Jason Bateman, do Arrested Development, que é o ator principal e também dirige alguns episódios. É muito interessante.