
Consagrada como "Namoradinha do Brasil" por conta de seus papéis de mocinha nas telenovelas, Regina Duarte firmou um "noivado" com o governo do presidente Jair Bolsonaro em janeiro. Na ocasião, a atriz despontava como favorita para comandar a Secretaria Especial de Cultura no lugar do defenestrado Roberto Alvim. Com essas analogias matrimoniais lançadas pelas próprias partes envolvidas, o "casamento" foi sacramentado no começo de março, quando Regina assumiu oficialmente a subpasta. Dois meses depois, porém, a festejada união da secretária com o presidente se encaminha para um melancólico divórcio, com a consagrada atriz fazendo papel de figurante na novela de sua própria fritura.
Nesta terça-feira (5), a revista Crusoé divulgou um áudio de uma suposta conversa entre Regina e uma assessora. No diálogo, a atriz diz acreditar que seria dispensada por Jair Bolsonaro. Ela se referia à recondução do maestro Dante Henrique Mantovani à presidência da Fundação Nacional de Artes (Funarte), que foi revogada no início da noite. Procurada pela reportagem, a Secretaria Especial de Cultura não confirmou a veracidade do áudio e não respondeu se atriz estaria deixando o cargo.
Mantovani havia sido exonerado por Regina no mesmo dia em foi nomeada. Ligado à ala ideológica do governo e aluno de Olavo de Carvalho, mentor intelectual da base bolsonarista, Mantovani foi muito criticado por conta de um vídeo no YouTube em que relaciona o rock com aborto e satanismo.
Pandemia
Desde que foi nomeada secretária da Cultura, Regina não apresentou nenhuma ação contundente para o setor, que agoniza em meio à paralisia das atividades decorrentes da pandemia do coronavírus. Entre as medidas previstas para a Cultura, estão a flexibilização de prazos para editais e alterações de políticas de reembolso de eventos que foram suspensos por conta da crise. Não houve liberação de recursos. Regina tem sido criticada pela classe artística por não ter prestado nenhum auxílio à área e também por ficar em silêncio diante da morte de nomes importantes da cultura do país, como Moraes Moreira, Rubem Fonseca e Aldir Blanc.
Em março, houve uma reunião de Regina com secretários estaduais de Cultura de todo país, em que foram abordadas as demandas e iniciativas de cada Estado. No entanto, nada aconteceu.
— Após esta reunião, temos (o Fórum de Secretários) tentado contato com a secretária sem sucesso. Nenhum atendimento aos pleitos apresentados foi identificado —relata Beatriz Araujo, secretária da Cultura do RS.
Para Beatriz, a intenção do governo federal com os últimos atos, como a recondução de Mantovani, tem sido desacreditar, a secretária.
— Infelizmente, teremos que administrar a repercussão nos Estados e municípios do desmonte de políticas públicas e instituições culturais do governo federal — lamenta.
O primeiro secretário da Cultura do governo Bolsonaro foi o gaúcho Henrique Pires, que ficou oito meses no cargo, com a pasta ainda vinculada ao Ministério da Cidadania — agora está sob gestão do Ministério do Turismo. Para Pires, a atriz poderia ter usado o seu prestígio para recompor a pasta, integrando questões orçamentárias que passam por dificuldades. Observa que Regina teve uma posse de ministra sem ser ministra (a Cultura foi reduzida para secretaria desde que Bolsonaro assumiu a presidência), com direito a cerimônia, algo que nenhum outro secretário do governo teve.
— Regina ficou nessa interpretação do papel de ministra, mas não percebeu que grande parte do orçamento da Cultura estava nas mãos do Ministério da Cidadania e do Ministério do Turismo, e ela ficou com contas sem fundo para administrar. Isso antes da pandemia —avalia Pires. — Nesse momento, que era preciso ter uma estrutura da Cultura com força, há essa confusão, e uma pessoa interpretando um papel de uma peça que já não está mais em cartaz.
No final de abril, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo relatou que o presidente deu aval a aliados para que dessem início a um processo de fritura de Regina. De acordo com a publicação, o objetivo seria fazer com que a atriz pedisse demissão do cargo. O presidente teria reclamado da dificuldade de diálogo com a secretária e da resistência dela em implementar mudanças. A atriz estaria sendo vítima de fogo amigo de integrantes da pasta que permaneceram da gestão passada.
Um desses funcionários é o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que costuma publicar críticas à atriz. Ele já acusou sua superior hierárquica de tentar nomear “esquerdistas” no governo. Em entrevista ao Fantástico, em março, Regina disse que Camargo é um "ativista, mais que um gestor público", além chamá-lo de "problema". Contrário ao movimento negro, Camargo teve a sua nomeação suspensa por ordem judicial em dezembro de 2019, devido a comentários nos quais afirmou, por exemplo, que o Brasil tem "racismo Nutella". A nomeação foi liberada posteriormente.
Na noite do dia 28 de abril, Bolsonaro criticou o distanciamento de Regina, em entrevista na portaria do Palácio do Alvorada, afirmando que a secretária tem dificuldade na condução da pasta:
— Infelizmente a Regina está trabalhando pela internet e eu quero que ela esteja mais próxima. Uma excelente pessoa, um bom quadro, é também uma secretaria que era ministério, muita gente de esquerda, pregando ideologia de gênero, essas coisas todas que a sociedade, a massa da população não admite, e ela tem dificuldade nesse sentido — disse.
Regina está desde o fim de março trabalhando de sua casa, em São Paulo. Aos 73 anos, ela integra o grupo de risco da covid-19 e foi desaconselhada a manter a rotina de viagens para Brasília.
Fritura
Logo que foi nomeada, Regina exonerou uma série de assessores que trabalhavam com Roberto Alvim — demitido após a repercussão de um vídeo em que emulava conceitos nazistas sobre arte e cultura — alguns deles ligados ao escritor Olavo de Carvalho. Consequentemente, ela foi criticada na web por Olavo e militantes apoiadores do escritor e do presidente, sendo chamado "esquerdista". Na entrevista ao Fantástico, ela lamentou ter "perdido tempo" com "uma facção que quer ocupar" espaço na pasta, o que gerou mais tensões com apoiadores e integrantes do governo.
Outro revés de Regina foi com a nomeação do secretário-adjunto da Cultura. Segundo relatou em uma live a ex-ocupante do cargo, Janicia Silva, a atriz tinha a intenção de nomear o produtor de teatro Humberto Braga. No entanto, a ala ideológica reagiu contra Braga argumentando que o produtor seria "esquerdista". O advogado Pedro Horta foi empossado no posto no final de abril.