Uma das imagens que guardo de meu avô materno, desta perspectiva à meia-altura das memórias da infância, é a dele sentado junto à porta da casa da praia, em sua poltrona de vime, guarnecida por duas almofadas amarelas. Por mais que eu acordasse cedo, ele já estava ali mateando, hábito que trazia de longe, meu bisavô fora uma espécie de terra-tenente ao norte do estado. Eu ficava em silêncio, estendido num sofá feito de colchões, o que permitia a meu avô que mergulhasse ainda mais naquele mundo desconhecido a quem não sabe então o que é ter passado. Sempre que percebia que eu o olhava há algum tempo, costumava dizer, é, Pedruca, são as coisas do governo. Eu achava aquilo engraçado. Nunca soube, ao menos não naquele antigamente, quais eram as tais coisas do governo. O sentido figurado, quando passamos a reconhecê-lo? Agora mesmo me pergunto, diante do que temos de aguentar, se tal expressão não seria uma forma de fatalismo à brasileira, o destino uma conjuração armada contra nós por quem deveria nos proteger.
Coluna
Pedro Gonzaga: As coisas do governo
"Não sei se tomamos os traços de quem amamos, pois aí estaria uma explicação para muito coisa, mas as frases, por certo que sim"
Pedro Gonzaga