A primeira coisa que você precisa saber sobre o Nosso Querido Figueiredo é que ele não foi feito para você. E nem para ele.
– Minha ideia era encontrar o pior nome de banda possível, o nome menos comercial, certamente destinado ao fracasso e com possibilidade zero de encontrar uma base de fãs – explica Matheus Borges.
Escritor e roteirista, Matheus é o cérebro do NQF, projeto que fundou em sua Tapes natal em 2008 e continuou a pilotar em Porto Alegre em 2010, quando se mudou para fazer faculdade. O lançamento mais recente é The Vanishing, EP com três músicas (sendo uma com 12 minutos e outra com quase 15) descrito como "um interesse em avaliar o que é música noturna, desde os nocturnes românticos inspirados em noites escuras com velas acesas até os dias de hoje, a cultura rave onde a noite é uma catarse".
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Se você quiser uma definição do NQF, eu não sou a pessoa indicada. Vou dizer que é experimental não por falta de rótulo melhor, mas porque ele de fato trabalha duro para tanto. Se nutre disso, aliás. É uma obra em constante transformação, indecisa, tateando seu caminho – um processo de tentativa e erro infinito que começa quando Matheus encontra uma boa linha de baixo e uma batida interessante.
– Assim que tenho esses dois elementos, vou criando e anotando. Depois volto, repito, deixo a música em looping, vou cortando as palavras que não me servem, aparando os versos, adequando a métrica – escreve Matheus.
São, ao todo, 46 (QUARENTA E SEIS) trabalhos, entre álbuns completos e EPs, lançados até agora. A maioria trata de algum tema caro a Matheus – como sua cidade natal, decepções amorosas, solidão, aventuras da vida noturna, o momento político do país, enfim. Outros são coleções de ideias e sentimentos.
Todos tendo como base a música eletrônica lo-fi (e low budget). Nenhum com a intenção de cativar, de agradar, de se fazer entender ou de buscar compreensão.
É essa despretensão quase niilista que torna Nosso Querido Figueiredo tão encantador. Um sujeito em seu quarto criando um universo de imagens e sons permeável apenas para quem realmente se interessar por ele sem oferecer nenhuma garantia. O único convite é a disponibilização do produto final – sendo esse produto final uma manifestação anti-pop, que exige do ouvinte um comprometimento com o qual este não está acostumado.
Daí que Nosso Querido Figueiredo não é para ser ouvido no carro, na esteira da academia ou colocado de fundo para jogar conversa fora. Ele exige um tempo só para ele. Dedicação exclusiva. Como um passeio pelo lado selvagem da vida, imprevisível e fascinante ao mesmo tempo.
LANÇAMENTOS
NÃO ALIMENTE OS ANIMAIS
Não Alimente os Animais
Grupo formado em 2014 em Caxias do Sul por Alexandre Vinicius Alles e Felipe Magon (teclados e voz), Lucas dos Reis (bateria), Lucas Chini (baixo e voz) e Luis Fernando Alles (guitarras e voz). Mas não se deixe enganar pelo nome algo hipster: a Não Alimente os Animais é uma puta banda de rock. E eu estou falando de classic rock 60-70, de Led Zeppellin, de Mutantes, de Pink Floyd, de Beatles, de Cream. Estou falando de tecladões espaciais, coros de "uuuuu" e solos lisérgicos que encaixam sem lubrificação naquele final de tarde mormacento de verão – está tudo em Have No Feelings Inside, confia em mim. Mas há mais. Há uma veia bluseira saltada em And I Try e uma deliciosa cruza portenha na leitura de Un Espejo en Cada Mirada. Big Guy encerra o disco delirante deixando a certeza que o quinteto caxiense começou muito bem essa vida. Rock, Tratore, 8 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming.
TESTAMENTO
Pessoal da Nasa
É preciso respeitar uma banda que abre seu disco ironizando a milenar treta entre São Paulo e Rio de Janeiro. Um trecho de Boatos: "O Rio de Janeiro é muito belo, frequenta-se teatro de chinelo / Aos olhos de São Paulo isso é brega, foda-se se eu sou mineiro". A picardia estende-se por todo o disco, em faixas como Saruel ("Ah, mas quando tem mulheres perto dela, é uma febre / não sei dizer porquê, mas todas colam nela / vai, mas só não chuta o balde") e Mantra Pop ("Se eu cantar uma música bonita, pode achar que eu fiz pensando em você"). A sonoridade é um caldeirão básico de rock britânico com um bocadinho de música brega brasileira, mas nada que atrapalhe a experiência. Ponto também para a produção, cristalina e vibrante. Rock, Toca Discos, 11 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming.
VIAMÃO LOTADO
Vários
Como não amar uma coletânea de bandas de rock da Grande Porto Alegre chamada Viamão Lotado? São nada menos que 29 grupos da região e uma banda uruguaia (?) detonando um rock não recomendado para ouvidos pouco experimentados. A maior parte é de hardcore e punk, mas há faixas mais elaboradas também, deixando a seleção um tanto irregular _ o que não chega a ser exatamente um problema, uma vez que o objetivo parece ser o de jogar luz sobre artistas que, de outra forma, permaneceriam nas sombras. Não pode haver atitude mais nobre e louvável. Rock, Independente, 30 faixas, disponível para audição e compra no site viamaolotado.bandcamp.com.
Música
PLAYLIST: Nosso Querido Figueiredo é fascinante trabalho anti-pop e experimental
Coluna traz ainda lançamentos de Não Alimente os Animais, Pessoal da Nasa e a coletânea Viamão Lotado
Gustavo Brigatti
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