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No bloco de anotações que me acompanhou durante o Acid Rock Festival, há a seguinte linha, escrita em garranchos quase indecifráveis: "guri tocando baixo como se fosse bossa nova procuro meu queixo". É sério, olha aí embaixo. O momento, capturado pelo meu parceiro de cobertura, Diogo Zanatta, e exposto acima foi apenas um dos muitos que me deixaram fascinado durante o show da Caro Antônio.
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Formada em Passo Fundo há coisa de três anos, a Caro Antônio é composta por Marina Iarcheski (percussão harmônica), Lucas Schütz (violão, guitarra e vocal), Natanael Koplin (baterista) e Giovani Lk (baixista). Seus dois singles já lançados, Corrige Esse Ego e Ironia Santa, indicam uma predileção por indie rock de acento folk, mas nem de longe fazem jus ao verdadeiro potencial da banda – revelado quando a banda está no palco, se reinventando, experimentando, derretendo o cérebro de quem busca referências para tentar rotulá-la.
A Caro Antônio é uma banda do seu tempo e reflete a maneira como seus integrantes consomem e tratam informação e arte. Converso com Lucas, que me diz ter se interessado por música por causa do pai militar, que integrava a fanfarra do quartel e levava o guri para os ensaios. Em casa, ouvia Bee Gees e Abba. Quando Lucas começou a procurar músicas por conta própria, não ia até lojas de discos ou comprava revistas, mas acessava playlists de artistas independentes no YouTube e seguia navegando pelas indicações.
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Pela internet, também aprendeu a tocar violão e guitarra e desenvolveu o gosto por poesia e zines undergrounds – que lê via hashtags e em tumblrs. As letras nascem de ideias que o incomodam até pularem para o papel. Anda ouvindo Musa Híbrida, Thiago e Ian Ramil, Lirinha e Elza Soares. O mais perto que chegou do mainstream foi quando tentou ouvir Strokes – que não lhe disse nada. Tem um projeto paralelo de trip-hop.
Esse é o universo da Caro Antônio. Fluido, diverso e conectado, sem ligação com a indústria e em constante mutação. A guitarra que deu certo em estúdio, por exemplo, foi substituída por violão no palco, cujo show abre espaço generoso para um vibrafone e costura ritmos regionais ao sabor do momento.
– Ninguém leva sua referência individual para a Caro Antônio – pontua Lucas. – Pra mim, é um lance muito orgânico, uma criança que temos controle limitado.
O álbum está com as músicas definidas e entra agora em fase de pré-produção. Lucas acredita que até maio a Caro Antônio consiga lançar o disco completo. E por que Caro Antônio, afinal?
– Esse nome carrega uma cara genérica. Há muitos antônios, josés, marias. É uma forma da gente dizer para o ouvinte que a banda não é mais importante do que ele, mas pelo contrário: é um som que precisa de você, seja lá quem você for.
LANÇAMENTOS
THE LUCYWOOD
The Lucywood
Começou com um brincadeira do casal Fernanda Cassel e Rodrigo Scopel interpretando covers de músicas que gostavam. Deu certo, a repercussão foi boa e eles decidiram seguir como um projeto, batizado de The Lucywood, que conta com mais quatro integrantes. O EP de estreia mostra que o caminho escolhido foi o country folk com músicas próprias compostas em inglês. Eu gostei do que ouvi até agora: a dupla canta bem afinada e a banda executa as canções direitinho. Destaque para a divertida Natural, que ganhou um remix de Nando Endres e deve funcionar muito bem para animar festinhas e rodas de violão. Folk, Loop Discos, quatro faixas, disponível para audição nas plataformas de streaming.
IN THE DEAD OF THE NIGHT
Hard Breakers
E quem não gosta de um hard rock pegado para dar uma animada, não é mesmo? O quarteto caxiense, formado por Arthur Appel, Aaron Alves, Rodrigo Marenna e Ricardo Machado bebe de várias fontes dessa água – tem uma farofinha de Poison e Bon Jovi, um glam revisitado de Guns N' Roses e um hardão bluseiro de Whitesnake. É aquele tipo de som que, sem querer, te faz tocar instrumentos no ar em público. Dirty Job, um dos singles, certamente integraria uma série de coletâneas que fiz quando jovem intituladas Músicas para Carro, feitas só com porradas para acelerar rodovia afora. Já Diary of an Honest Man anda na fronteira com o metal sinfônico. Wasted Days e Forevermore são as baladas. Rock, Megahard Records, 11 faixas, disponível para audição nas plataformas de streaming.
OCZY MLODY
The Flaming Lips
O que esperar de uma banda com quase 35 anos de bons serviços prestados à música experimental, que se recusa a entregar o óbvio e segue fazendo o que bem entende? O mesmo de sempre, oras. Ou alguém achava que Wayne Coyne faria algo dentro das regras no 14º disco de sua banda? Oczy Mlody é Flaming Lips até o último fio de cabelo, o que significa que os fãs podem esperar viagens de ácido ainda mais longas – e quem nunca gostou não precisa nem tentar. As letras continuam a espelhar o espanto de Coyne com o mundo dos homens (How??), críticas travestidas de delírios (There Should Be Unicorns, One Night), perda (Sunrise, Listening To The Frogs) e amor (Galaxy I Sink, The Castle). Eletrônico, Warner, 12 faixas, disponível para audição nas plataformas de streaming.