Arquivo X se tornou um tesouro da cultura e foi um marco de tal magnitude na paisagem televisiva que sua influência pode ser sentida ainda hoje, duas décadas depois – muitos nomes e conceitos que surgiram nas aventuras de Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) nos anos 1990 se tornaram fundamentais na recente "era de ouro dos seriados de TV". A volta da série sabe disso, e não se envergonha de investir pesadamente no fator nostalgia: o casal de protagonistas, a abertura clássica dos primeiros anos, o tema musical de Mark Snow, tudo parece ser pensado para uma imersão passadista na década em que cada episódio de Arquivo X era uma garantia de uma hora de entretenimento da melhor qualidade.
Mas se Arquivo X investe no passado, não pode também negar que o mundo mudou – algo que afeta diretamente uma atração tão enraizada na ideia de segredos ocultos por trás da realidade que vivemos. E é na forma como tenta casar a nostalgia de seus melhores anos com o novo cenário pós-11 de Setembro que a série ainda precisa se provar relevante para justificar um retorno para além do simples saudosismo nesta era de informação em tempo real.
Após o fim da divisão dos Arquivos X no FBI, Mulder e Scully permaneceram em contato, ainda que esporádico, mas os anos passaram de modo diverso para ambos. Scully há anos é cirurgiã em um hospital em Washington. Mulder vive recluso, fora do radar mesmo de seu antigo diretor Skinner (Mitch Pileggi). Faz sentido. Desde o fim da série, proliferaram com a ajuda da internet lunáticos defendendo em tom de revelação coisas que Mulder, com o charmoso rosto de David Duchovny, conseguia sugerir com plausibilidade dentro da mitologia da série original (e que se tornam delírios um pouco mais perigosos no mundo real): o 11 de Setembro como uma conspiração do exército americano para deflagrar uma guerra no Exterior; a conspiração alienígena que se estende aos mais altos escalões do governo mundial; o domínio dos Iluminatti; o uso de programas de vacinação como dispositivo disfarçado de controle e contaminação populacional, etc.
Não é de admirar, portanto, que Mulder se veja atraído a sair de sua reclusão quando ele e Scully são procurados por Tad O'Malley (Joel McHale), um apresentador de extrema direita que denuncia em seu canal de vídeo online "os segredos que o governo não quer que o povo saiba". A dinâmica de oposição entre o ceticismo da racional médica Scully e a vontade de acreditar do entusiasmado Mulder é potencializada pela presença de O'Malley, que apresenta os ex-agentes à jovem Sveta, que acredita ter DNA alienígena e ter sido vítimas de experiências e abduções em série nas mãos de extraterrestres. Em paralelo, a trama acompanha a famosa queda secreta da nave espacial em Roswell, no Novo México, reconstituída sem a ambiguidade que sempre marcou os melhores episódios da série (quer ET? Toma um lá na sua cara. Quer nave, agora que temos orçamento toma aqui a tua nave).
São tantas as pontas a amarrar nesse primeiro episódio que, como aconteceu em outros momentos da série, o resultado é apressado e decepcionante. Do nada, o foco da trama principal parece desaparecer, e Scully, antes cética, agora acha que sim, é relevante retomar o projeto dos Arquivos X. Curiosamente, em um cenário fictício no qual o governo americano age com a rapidez de um raio para suprimir evidências de suas ações, o FBI, uma agência governamental, parece concordar com a ideia, e sem maiores explicações, Mulder e Scully estão de volta ao FBI depois de mais de uma década de vida civil.
Esse é o ponto em que você percebe que esse primeiro episódio, embora tenha alguns bons momentos na construção do clima e conte com Gillian Anderson como um pilar de qualidade, está narrando não apenas a história do retorno dos agentes, mas tentando justificar a volta da série como um todo. No segundo episódio, lá estão Mulder e Scully, já de volta a seu cubículo e segurando seus crachás em um caso avulso sem relação aparente com o anterior. Como também aconteceu em muitas temporadas anteriores, esse caso do "monstro da semana" se prova melhor e mais interessante do que aquele criado para avançar o fio condutor geral da temporada.
Passados quase 15 anos, esta nova 10ª temporada faz uma aposta arriscada: retoma a mitologia integral da série, incluindo seus dois últimos e malogrados anos, quando a nave espacial da trama se perdeu sugada pelo buraco negro da autorreferência. E é aí que Arquivo X talvez esteja iludida demais por seu ímpeto saudosista: embora tenha sido sim um marco na TV de seu tempo, Arquivo X não foi cancelada pela decisão equivocada de um corpo de diretores sem visão, ela foi definhando dolorosamente ao longo de dois anos de pouquíssimos bons episódios em meio à completa irrelevância do conjunto. O intrigante é que, pelo que demonstrou até agora, Arquivo X ainda não deixou claro qual de suas facetas está em resgate: o marco pop televisivo de seus primeiros anos ou a maçaroca cansativa e sem rumo de sua última temporada.