Sobre os diários e gravações de sua irmã suicida, Petra Costa fez de Elena (2012) um delicado e comovente documentário em que luto e poesia buscavam compreender a morte. Em seu novo filme, Olmo e a Gaivota, a diretora mineira também faz uso de registros íntimos, agora para iluminar uma celebração à vida.
Em cartaz nos cinemas, Olmo e a Gaivota, que Petra assina junto com a dinamarquesa Lea Glob, distancia-se de Elena também na sua ambição formal de embaralhar de forma mais radical os registros de ficção e documentário. Diante do resultado híbrido, o espectador é lançado em um estimulante jogo entre encenação e realidade que é, apropriadamente, ambientado nos bastidores de uma companhia teatral. Os protagonistas do filme são a italiana Olivia Corsini e o francês Serge Nicolai, casal de atores que se apaixonou nos bastidores da célebre companhia teatral francesa Théâtre du Soleil.
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- O projeto teve início quando recebi o convite para realizar um filme na Dinamarca com apenas uma semana para pensar no tema. Minha ideia era acompanhar um dia na vida de uma mulher. A Lea queria fazer um documentário, enquanto eu pensava numa ficção. Então, decidimos misturar tudo - explica Petra, em entrevista a ZH.
A diretora brasileira estudou teatro e desde 2000 acompanha o trabalho do Théâtre du Soleil. Ao se aproximar de Olivia e Serge, soube que eles tinham visto e gostado de Elena. Toparam a ideia de terem suas vidas acompanhadas pela câmera, mas logo em seguida Olivia descobriu estar grávida.
- Decidimos incorporar essa transformação no filme acompanhado-os pelos nove meses da gestação. O roteiro foi construído com eles a partir dos diários da Olívia e das situações que fomos vendo de perto. É um filme sobre o processo de encenação que dança no limite entre a ficção e a realidade. É uma fronteira aberta em criação e movimentação.
A notícia da gravidez de Olivia chegou em meio aos ensaios para uma montagem de A Gaivota, de Tchekhov.
- Como o Théâtre du Soleil estava em recesso à época, propusemos a montagem fictícia, porque o texto de A Gaivota destaca duas mulheres em momentos distintos. Tchekhov é o teatro pós-dramático, em que o extraordinário acontece na cabeça - destaca Petra, fazendo referência às personagens da peça que Olivia espelha, também atrizes: Arkadina,que encara o envelhecimento, e Nina, que perde a razão.
No decorrer do filme, Olivia vive um processo de transformação física e existencial à espera do filho. Afastada da companhia por recomendação médica, a atriz de 34 anos reflete sobre a nova vida a três que se avizinha, o futuro profissional em xeque e as escolhas que fez na vida. A câmera flagra momentos de melancolia, alegria, crises com Serge e celebração com amigos. Por vezes, as intervenções das diretoras alertam que nem tudo o que se vê pode ser o "real" ou "encenação" - uma mesma sequência pode apesentar os dois registros.
- Olivia e Serge são mestres da improvisação. Ela se empolgou com a proposta do registro pessoal, e ele foi mais relutante - conta Petra.
Quem aparece nos créditos de Olmo e a Gaivota como produtor executivo é o ator americano Tim Robbins. Petra explica:
- Depois que viu Elena, ele se ofereceu para ajudar na promoção do filme nos Estados Unidos e nos deu um grande apoio abrindo espaço em veículos de comunicação importantes. Naquela época, em 2012, eu já estava trabalhando no Olmo e A Gaivota, e o Tim Robbins se interessou pelo projeto, porque o grupo de teatro dele (The Actors Gang, que trouxe ao Porto Alegre em Cena de 2014 a montagem de Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare) é uma espécie de filho do Théâtre du Soleil nos EUA. Ele já tinha realizado projetos com o Georges Bigot (ator e diretor da companhia francesa) e conhecia a Olivia e o Serge. Foi muito bacana o Tim ter abraçado o projeto.
Olmo e a Gaivota
De Petra Costa e Lea Glob
Drama/documentário, Brasil/Dinamarca/Portugal/França/Suécia, 2014, 87min. Em cartaz no Espaço Itaú e no Guion Center.