Passei um tempo com Fafá de Belém no quarto do hotel em que estava hospedada, em Porto Alegre. Só nos dois. Ela tinha 20 anos. Também privei igual intimidade com Marina Lima, aos 24, em outro hotel de Porto. Lindas e talentosas meninas começando suas carreiras na música. Renderam belas entrevistas para ZH.
Fafá foi em 1976, quando veio divulgar o disco de estreia, Tamba-Tajá. Marina foi em 1979, quando veio promover o seu primeiro, Simples como Fogo. Recordei com elas essas histórias agora em Canela, onde foram destaques da Festa Nacional da Música - Fafá realizou a audição para a imprensa e comentou o novo álbum, Do Tamanho Certo para o Meu Sorriso, e Marina recebeu homenagem especial, com troféu entregue por Fafá.
Ambas concordam comigo: hoje seria quase impensável uma cantora receber no quarto um jornalista que nunca vira antes. Nos anos 1970 era normal. Também entrevistei no quarto Elis e Rita Lee, por exemplo. Além de muitos homens, de Gilberto Gil a Raul Seixas, passando por Caetano Veloso, Gonzaguinha, Alfredo Zitarrosa, Gismonti, João Bosco, Paulinho da Viola, Ivan Lins, Tim Maia, Ney Matogrosso, Belchior, Roberto Carlos (neste caso, uma suíte presidencial). Não sei em que momento tal "hábito" desapareceu, talvez na década de 1980, quando o chamado estouro do rock nacional produziu uma nova casta de celebridades, fora o fato de ser muito mais prático para a entrevista reunir uma banda no bar do hotel.
Era comum nos anos 1970 os artistas viajarem pelo país apenas para promover os discos, antes das temporadas de shows. Muitas vezes viajavam sozinhos, sendo recebidos no aeroporto pelo divulgador da gravadora, que marcava os encontros individuais com a imprensa. Na década seguinte, nadando em dinheiro, as gravadoras passaram a concentrar no Rio de Janeiro os lançamentos dos grandes nomes e de suas novas apostas, em coquetéis e jantares para os quais eram trazidos dos Estados jornalistas dos principais veículos. O contato pessoal se diluía nas entrevistas coletivas. Paralelamente, empresários e assessores adquiriam um poder até então inédito, encastelando os artistas. É quando surgem os famigerados seguranças.
Para dar uma ideia de como era "antigamente", trago a noite de 1972 em que "sequestrei" Gilberto Gil. Ele estava em temporada no Teatro Leopoldina com o show de lançamento de Expresso 2222, LP que marcou sua volta do exílio. Ao fim do show de estreia, fui ao camarim e, sem empecilhos, cheguei a ele - que não me conhecia. Disse que gostaria de entrevistá-lo para um jornal alternativo que eu editava, o Exemplar. Marcou para o dia seguinte depois do show. Dito e feito: postei meu fusquinha amarelo na porta de saída do camarim, fui lá dentro e Gil veio comigo, acompanhado apenas de uma bolsa a tiracolo. Em meu apartamento, minha mulher e quatro amigos nos esperavam. A inesquecível conversa se estendeu por duas horas...
E concluindo com Fafá, queria lembrar que naquele primeiro disco da cantora que vinha do Norte estavam três canções gaúchas, o que não deixa de ser outra raridade: Haragana (Quico Castro Neves), Vento Negro (José Fogaça) e Gaudêncio 7 Luas (Luiz Coronel/Marco Aurélio Vasconcellos), todas gravadas pelos Almôndegas em 1975.
Paralelo 30
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