A imponência do World Trade Center fascinou todo o mundo em sua inauguração, nos anos 1970, mas especialmente um jovem artista de rua francês que, aos 24 anos, colaboraria com o mito criado em torno dos arranha-céus de Nova York. Em 7 de agosto de 1974, Philippe Petit burlou a segurança das chamadas Torres Gêmeas e esticou um cabo de aço de 60 metros entre os prédios, sobre o qual andou e fez malabarismos a quase meio quilômetro de altura ao longo de 45 minutos.
O feito foi relatado em um livro e um documentário (leia abaixo). Agora, é contado na aventura A Travessia, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas (o longa já vem sendo exibido em sessões de pré-estreia). O filme de Robert Zemeckis foi feito na medida para os recursos do 3D e do Imax - a não ser que você tenha medo de altura: em toda a meia hora final, se não mais do que isso, a câmera passeia pelas nuvens em torno de Petit, transformando a sessão de cinema em um desafio contra a vertigem.
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Mas o filme é bom. Tem Joseph Gordon-Levitt fingindo sotaque francês ao falar diretamente com o público através da câmera - recurso que funciona graças à empatia do ator. Do alto da Estátua da Liberdade, com Manhattan ao fundo, ele narra a história desde que Petit deixou a casa dos pais em Nemours e rumou a Paris, para ganhar a vida do jeito que desse - sem abandonar o sonho de se tornar equilibrista.
A ponte França-EUA ele realizou amparado pelas lições de um artista circense (Ben Kingsley) e pela ajuda de parceiros, incluindo a namorada (vivida por Charlotte Le Bon). Não sem antes estender um cabo em outras torres turísticas - as únicas citadas em A Travessia são as da catedral de Notre Dame, em Paris.
Zemeckis fez economias de tempo questionáveis e generalizações grosseiras, a exemplo das caracterizações do ambiente bucólico onde Petit cresceu e das figuras de seus pais, que mal aparecem na trama. Mas nada disso compromete a fruição. Sobretudo porque o objetivo, aqui, é despertar um tipo de emoção menos relacionado à complexidade da persona do protagonista e mais às sensações que ele vivencia.
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Diretor de filmes bem-sucedidos como De Volta para o Futuro (1985) e Forrest Gump (1994), Zemeckis vinha se dedicando ultimamente a experiências de tecnologia inovadora, mas resultado constrangedor - vide O Expresso Polar (2004) e A Lenda de Beowulf (2007). Em A Travessia, além de trabalhar com uma história e um personagem mais ricos, manipulou digitalmente apenas as paisagens - e não as expressões humanas, como nos casos dos títulos citados.
Acabou por realizar um filme de entretenimento muito mais eficiente, que permite passear pela Nova York de 40 anos atrás, com o World Trade Center novinho em folha, lá do alto, como se fosse possível compartilhar a sensação com a qual tanto sonhou Philippe Petit.
A Travessia
(The Walk)
De Robert Zemeckis
Aventura, EUA, 2015, 123min, 12 anos
Cotação: bom
Petit em livro e em documentário
A célebre história de Philippe Petit foi contada antes no cinema - em O Equilibrista (Man on Wire, 2008), documentário produzido pela BBC que ganhou o Oscar, entre outros prêmios, e se tornou um dos filmes mais populares do gênero nos últimos anos. O projeto levou seu diretor, o britânico James Marsh, a Hollywood, onde ele realizou A Teoria de Tudo (2014), drama sobre o físico Stephen Hawking.
Em O Equilibrista, Marsh intercala imagens de arquivo, reconstituições dramáticas e poucas - porém muito eficientes - entrevistas com Petit e outros personagens que o cercam. Trata-se de um documentário com jeito de thriller, que trabalha com o suspense antes do desfecho do feito do protagonista ao mesmo tempo em que busca as respostas para suas motivações. O longa foi lançado em DVD no Brasil e, às vezes, aparece nas grades dos canais de TV paga e dos serviços sob demanda - neste momento, o filme não está disponível na Netflix.
Assim como Robert Zemeckis, James Marsh se inspirou no livro que Petit escreveu sobre seu próprio feito: To Reach the Clouds ("alcançar as nuvens"). O volume não tem tradução para o português. O e-book, em inglês, está à venda por R$ 25, em média.