
A neurocientista carioca Suzana Herculano-Houzel conduziu o público do Fronteiras do Pensamento em um passeio por milhões de anos de evolução e descobertas na noite desta segunda-feira, no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Uma das pesquisadoras mais respeitadas do país, a bióloga apresentou a conferência "O que torna o cérebro humano notável, mas não especial?", destacando alguns dos questionamentos que procurou responder na última década, ao comparar o cérebro humano com o de outras espécies.
- A razão de a gente fazer tudo que faz depende de biologia mas sobretudo da tecnologia que desenvolve, dos recursos, das maneiras, dos objetos, dos sistemas que permitem a nossa espécie usar esse cérebro de maneiras diferentes - disse Suzana, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde dirige o Laboratório de Neuroanatomia Comparada.
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Suzana listou dúvidas que a inquietavam no passado: de quantos neurônios cérebros diferentes são feitos? E se cérebros diferentes não forem todos feitos da mesma maneira? E se dois cérebros do mesmo tamanho não tiverem sempre o mesmo número de neurônios? Um de seus achados se refere à quantidade de neurônios existente no cérebro humano. Durante muito tempo, difundiu-se a estimativa de que seriam 100 bilhões. Com experimentos, ela constatou 86 bilhões. Apenas 16 bilhões desse total estão no córtex cerebral, a base das chamadas funções cognitivas superiores (capacidade de raciocínio, associar ideias, detectar padrões, fazer previsões para o futuro, planejar ações). O restante se localiza no cerebelo. Para comparação, a cientista citou o exemplo do elefante: o animal tem um cérebro três vezes maior do que o cérebro humano, com três vezes mais neurônios, dos quais 98% estão no cerebelo.
- Boa parte do controle fino da tromba é feito pelo cerebelo. E o córtex cerebral? Embora seja duas vezes maior do que o nosso, tem só um terço do número de neurônios. O parâmetro realmente importante para a capacidade cognitiva de uma espécie deve depender não do tamanho do cérebro, mas do número de neurônios no córtex cerebral - salientou.
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A conferencista avaliou também a variação do tamanho do cérebro entre os antepassados do homem e a relação da alimentação e do consumo energético com o número de neurônios. Observando gorilas e orangotangos, Suzana se perguntou: se eles são maiores do que os humanos, por que não têm também o cérebro maior, e sim três vezes menor? A professora suspeitou de que primatas de grande porte não conseguiriam dispor de energia suficiente para sustentar um corpo enorme e um número também enorme de neurônios. Para se manter, um gorila precisa se alimentar durante oito horas diárias. Porporcionalmente, o homem, com 86 bilhões de neurônios, teria de comer por nove horas e meia. A técnica de cozimento, defende Suzana, foi fundamental para o desenvolvimento de nossa espécie. Cozida, em vez de crua, a comida é mais facilmente digerida.
- Você consegue mastigar fazendo menos força em muito menos tempo. O alimento fica muito mais macio e vira uma papa na sua boca. No estômago, essa papa é completamente exposta a enzimas digestivas. Quando ela chega ao intestino, todos os nutrientes são absorvidos. O rendimento calórico do alimento cozido é de 100%. Do alimento cru, apenas um terço do que poderia render. Quando a gente come comida cozida, come mais calorias em menos tempo. A mesma comida rende mais calorias. Temos tempo livre para fazer outras coisas - explicou.
Finalizando a conferência de 1h15min, rica em gráficos, tabelas, fotos e sacadas bem-humoradas, reforçou:
- O que transformou toda a nossa história evolutiva é que a gente cozinha. Depois que me dei conta disso, nunca mais olhei para a minha cozinha da mesma maneira. É algo a ser reverenciado, é o que permite que a gente passe a maior parte das horas do nosso dia podendo se dedicar a questões muito mais importantes sobre, por exemplo, qual é o nosso lugar na face da terra, onde a gente se encaixa na natureza e o que nos torna capazes de fazer tudo isso e ainda pensar a respeito.