Era a metade da década dos meus vinte. Costumava ir muito ao cinema, julgando-me um espectador invulgar com minhas leituras e noções de fotografia. (Houvera uma máquina do tempo e a mais necessária das viagens seria aquela para dar-nos uma bordoada corretiva.) Presunçoso, eu gritava: foco!, pedindo um ajuste fino na projeção, sem o qual as cenas pareciam subaquáticas. Chegou um dia, no entanto, em que, por mais que eu pedisse, nada era feito. Meu plano de vida à época era virar um carro com as próprias mãos, como no programa O Homem Mais Forte do Mundo (aquilo que era entretenimento), e foi só aos poucos que notei, pelo constrangimento assustado das pessoas ao redor, que o problema de foco estava em mim.
Coluna
Pedro Gonzaga: óculos
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno