Em 1988, Ângela RoRo estava para gravar o LP Prova de Amor e pediu a Cazuza e Frejat uma música para ela. Eles demoraram um pouco e quando entregaram a encomenda as gravações já haviam terminado. Passou o tempo, vieram outros discos de RoRo, e nada... Até que em 1994 o produtor do terceiro álbum de Cássia Eller perguntou a Frejat se não teria uma música para a cantora. Ele disse que sim, mas teria de liberá-la com RoRo. Que a liberou, pois achava a canção "uma merda", que nada tinha a ver com ela. Assim, Malandragem, tornou-se o primeiro grande sucesso de Cássia, com o disco passando das 100 mil cópias. Mais tarde, num show, RoRo reconheceu: "Fui uma imbecil, uma burra de recusar a música!".
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Esta é uma das 186 histórias particulares trazidas à tona na trilogia Então, Foi Assim? - Os Bastidores da Criação Musical Brasileira, do pesquisador, escritor e radialista brasiliense Ruy Godinho*. Lançados originalmente em 2008, 2010 e 2013, os livros foram agora reeditados e reunidos em uma caixa. Ele resume o trabalho:
- No Volume 1, me limitei a contar histórias das canções. No 2, aprofundei a abordagem ao incluir os processos criativos e as relações e parcerias. No 3, acompanhando o processo evolutivo da série, inseri a relação existente entre a criação musical e o divino, uma vez que a maioria dos compositores atribui o ato criativo a algo que transcende o físico.
Muito bons de ler pela própria característica dos causos lembrados pelos músicos e os complementos da pesquisa de Godinho, os livros atravessam mais de cem anos da música brasileira, de Chiquinha Gonzaga a Los Hermanos. As canções, a maioria de sucesso, vão reavivando a memória do leitor e trazendo a ele informações inéditas e saborosas. Por que Roberto Carlos perdeu a oportunidade de lançar
As Rosas Não Falam (Cartola)? Como surgiu a ideia de dar letra a Carinhoso (Pixinguinha/Braguinha) 20 anos depois de composta? Qual foi o drible dado na Censura para liberar a música Perigosa (Rita Lee/Nelson Motta), que estourou com as Frenéticas cantando "Vou fazer você ficar louco, muito louco, dentro de mim"?
* Com o mesmo título da trilogia, Ruy Godinho apresenta na Rádio Nacional FM de Brasília um programa de curiosidades e entrevistas sobre a música brasileira, retransmitido por 230 emissoras de todo o país.
ENTÃO, FOI ASSIM? - OS BASTIDORES DA CRIAÇÃO MUSICAL BRASILEIRA
De Ruy Godinho
Caixa com três livros. Volume 1 (274 páginas), Volume 2 (308 páginas) e Volume 3 (310 páginas). Abravídeo, R$ 80 (a caixa).
A nova cara do samba
Boa parte dos jovens cantores e compositores quer logo fazer o primeiro disco. Ao ouvir os álbuns Samba Sujo e Pra Essa Gente Boa, lançados simultaneamente, e que abrem a carreira solo de Alfredo Del-Penho, fiquei pensando sobre como é importante um artista preparar-se para estrear já com um trabalho sólido. Nos últimos 15 anos (tem 34), ele veio comendo pelas beiradas. Depois de tornar-se uma espécie de símbolo da "geração Lapa", ao lado de Teresa Cristina e de Yamandu Costa, aproximou-se de mestres do samba e do choro, integrou grupos de baile como a Orquestra Republicana, atuou em musicais (Sassaricando, Ópera do Malandro...) novelas e minisséries da Globo (Dalva e Herivelto...), leu muito, tornou-se respeitado pesquisador da música brasileira. Daí que os dois álbuns trazem um músico maduro e completo - um cantor de verdade (o timbre lembra João Nogueira), compositor de fôlego, arranjador de muitos recursos, bom violonista - e, além de tudo, um líder.
Del-Penho diz que para fazer seus discos inspirou-se nos álbuns Memórias Cantando e Memórias Chorando, de Paulinho da Viola em 1976. O CD Samba Sujo tem 15 músicas cantadas, cinco dele e parceiros, duas de autores da turma, como Rubens Jacobina. Nas demais estão assinaturas graduadas, de Ângela Suarez/Paulo César Pinheiro (Samba com Dengo, que abre o disco) e Cartola/Roberto Nascimento (Cor da Esperança, que o fecha), passando por João de Aquino, João Nogueira, Nei Lopes/Maurício Tapajós, Baden/Vinicius, e por vários "espíritos" do samba. O outro CD, Pra Essa Gente Boa, é instrumental e talvez ainda mais poderoso. Sambas, valsas e choros, todos de Del-Penho, homenageiam suas influências e seus amigos, com arrojados arranjos do sambão à música de câmara. Tudo isso feito por muitos instrumentistas do primeiro time, que não tenho como citar. Mas como você vai comprar os dois discos, saberá de todos nos encartes...
Nos encartes, breves textos de Del-Penho comentam cada música. E penso que devo mencionar pelo menos um instrumentista: o jovem bandolinista gaúcho Luís Barcelos, que das oficinas de samba e choro do Santander Cultural saiu direto para a Lapa e o reconhecimento. Del-Penho fez os álbuns pelo processo de financiamento coletivo, com mais de 700 apoiadores - entre eles, seu admirador Chico Buarque.
SAMBA SUJO
De Alfredo Del-Penho
Samba, independente, R$ 30 nas lojas especializadas e plataformas digitais
PRA ESSA GENTE BOA
De Alfredo Del-Penho
Samba, choro e valsa, R$ 30 nas lojas especializadas e plataformas digitais
Comprados juntos, os dois álbuns saem por R$ 50
Coluna
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O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
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