Eles são o sonho de qualquer artista: fazem parte do seleto grupo da população brasileira que tem hábitos culturais intensos. Peças de teatro? Eles estão sempre lá. Espetáculos de dança, shows de música popular ou concertos clássicos? Idem.
Frequentemente, estão entre os primeiros a comprar ingressos e a chegar ao teatro - não descartam o ritual de tomar um café antes de cada sessão. E são muito exigentes com a qualidade das produções. Já assistiram a alguns dos maiores artistas internacinais e nacionais, guardando na memória um pouco da história dos palcos no último meio século.
Zero Hora reuniu no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, cinco espectadores exemplares para uma conversa sobre arte, educação para a cultura e comportamento. Eles contam que chegam a deixar de realizar uma viagem de fim de semana para investir em ingressos - cultura, para eles, é artigo de primeira necessidade.
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Assista a dicas dos espectadores ouvidos na reportagem:
A médica aposentada Rita Suzana Camargo Souto, 80 anos, frequenta espetáculos uma vez por semana e conta que já prestigiou estrelas do porte de Procópio Ferreira, Cacilda Becker e Tônia Carrero. Entre os espetáculos inesquecíveis, está Com a Pulga Atrás da Orelha, de Feydeau, com Fernanda Montenegro e Ítalo Rossi, estreada em 1955:
- Em outra ocasião, fui a Paris assistir à mesma peça com Jean-Paul Belmondo, e a versão que vi aqui não ficou a dever em nada para a francesa.
Já a professora Ana Maria Santos Dunin Zupanski, 64, que chega a frequentar teatros diariamento durante festivais, recorda-se de Bibi Ferreira interpretando Piaf na reabertura do São Pedro, em 1984:
- Faz diferença quando o ator é formado no teatro, mesmo que também trabalhe na TV. Aqueles que começam na TV acabam não se firmando no teatro.
A formação de um espectador
Mas como esses cinco espectadores se tornaram amantes da cultura? Para Rita, o que vem em primeiro lugar é o exemplo da família. Recorda que os pais eram admiradores de teatro e ópera. Assistiu à brilhante bailarina russa Tamara Toumanova com o pai, que não gostava de balé e, mesmo assim, levou as duas filhas porque a esposa não pôde ir.
Os outros entrevistados sublinham o papel da escola no estímulo aos hábitos culturais. A advogada Cecilia Maria Piqueres Santos, 64, que é gêmea de Ana Maria, tem boas recordações da escola particular onde as duas estudaram, na cidade de Montenegro, nos anos 1960:
- Tínhamos excelentes professores que ensinavam música utilizando partitura. Havia um coral na escola e um coral menor que a professora havia criado com apenas alguns alunos.
A engenheira química Isabel Cristina Piqueres Santos, 54, irmã das gêmeas Ana e Cecilia, com quem foi a três eventos culturais na quarta-feira, recorda-se de ter assistido a seu primeiro concerto da Ospa, nos anos 1970, por iniciativa da escola:
- Lembro de ter visto com o colégio montagens de As Aventuras de Tibicuera, de Erico Verissimo, e Morte e Vida Severina (de João Cabral de Melo Neto).
O professor Willy Petersen Filho, 63, acredita que o ensino da música nos anos 1950 e 60 foi ainda herança do projeto de educação musical de Villa-Lobos:
- Onde isso foi parar a partir dos anos 1970? Aliás, onde foi parar a educação a partir dos anos 70? - questiona, referindo-se ao período da ditadura militar.
Depois que se tornou professor de língua e literatura brasileira, Willy procurou estimular nos alunos o gosto pela cultura. Nos anos 1980, levou estudantes do turno noturno do Colégio Júlio de Castilhos - que trabalhavam durante o dia em empregos mal remunerados - a uma montagem de Antígona dirigida por Luiz Paulo Vasconcellos. Ao final de um longo monólogo como a personagem-título, a atriz Sandra Dani foi aplaudida em cena aberta.
- Então, não venham me dizer que as pessoas não estão aptas a gostar de teatro ou música erudita simplesmente porque não têm informação ou dinheiro. Isso é preconceito de quem diz - pontua Willy.
Falta de pontualidade e de lugares numerados
Entre as reivindicações desses espectadores, está a pontualidade no horário dos espetáculos. Ana Maria defende:
- O Theatro São Pedro é uma exceção, abre a porta meia hora antes, todo mundo entra e toma seu lugar. Mas em geral a abertura é na hora do espetáculo, principalmente nas produções locais.
Isabel completa:
- E aí começa 15 minutos ou meia hora depois. Nunca no horário certo.
Willy e Rita se sentem desmotivados para ir a espetáculos sem lugares numerados. Argumentam que pessoas de meia-idade ou mais têm dificuldade em ficar muito tempo na fila para pegar bons lugares. Afirma Willy:
- É um problema que ocorre especialmente nos nossos festivais de teatro. Trazem coisas magníficas, mas você precisa chegar cedo na fila. Sempre vejo pessoas do público reclamando disso.
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DICAS DE ESPECIALISTAS
"Recomendo pontualidade aos espectadores, especialmente nos espetáculos mais procurados. Também sugiro que se tente ir a espetáculos mesmo que os ingressos estejam esgotados. Às vezes se consegue em cima da hora."
Rita Suzana Camargo Souto, médica aposentada
Vai ao teatro uma vez por semana
"Os melhores lugares para se sentar em um espetáculo de teatro são as primeiras filas. Quando é um concerto de orquestra, não é problema ficar mais no meio ou nos camarotes centrais."
Cecilia Maria Piqueres Santos, advogada
Vai ao teatro uma vez por semana (em festivais, todos os dias) com as irmãs Ana e Isabel
"Minha dica é o Grupo Galpão (de Minas Gerais). Não se pode perder quando eles vêm. Mesmo não tendo ideia do que vão apresentar, tente ir porque o trabalho é sempre muito bom. Também tem a Companhia Brasileira de Teatro (do Paraná), outra que não se pode deixar de ver."
Ana Maria Santos Dunin Zupanski, professora
"Sempre chegamos cedo ao teatro. Às vezes, uma hora ou duas horas antes. Daí, vamos para o café, fazemos um lanche, conversamos. E já encontramos os outros espectadores assíduos. Também entramos no teatro um pouco antes para sentar com tranquilidade."
Isabel Cristina Piqueres Santos, engenheira química
"Sugiro comprar os ingressos com a maior antecedência possível. Isso vale para artistas muito conhecidos e também vale para os concertos da Ospa. Incomodo a bilheteria do teatro porque sempre telefono para perguntar: 'Quando vão começar a vender?'."
Willy Petersen Filho, professor
Vai ao teatro três vezes por semana
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