Já faz quase meio ano, mas estudantes e jovens de baixa renda que esperavam gastar menos em shows graças às novas regras da meia-entrada não veem o benefício sair do papel. Aprovada em dezembro de 2014, a Lei Estadual 14.612 ainda causa confusão. Alguns cumprem, outros dizem que falta regulamentação, o poder público pouco fiscaliza e a regra fica no papel.
Confusa, meia-entrada não está disponível em todos os grandes shows
Nova lei deve encarecer ingressos e dificultar vinda de eventos maiores
Meia-entrada é aplicada de forma parcial nos cinemas de Porto Alegre
Atualmente, a questão segue no mesmo pé que estava em janeiro, quando grandes produtoras de show justificaram, em matéria de ZH, que faltava a regulamentação da lei. O assunto voltou à tona com a divulgação do preço dos ingressos para o show do Pearl Jam, que está marcado para novembro, na Arena. Os bilhetes para esse evento custam entre R$ 160 e R$ 460, mas os descontos de 50% só beneficiam idosos. Como a T4F, produtora que traz o Pearl Jam a Porto Alegre, não reconhece a lei aprovada em 2014, ela segue a Lei Municipal 11.211, de 2012, que dá direito a 20% de desconto para estudantes. A produtora não quis se pronunciar sobre o assunto. Para o ex-deputado Raul Carrion, que criou lei, essa é uma questão que cabe ao MP resolver:
- A lei está valendo. Cabe ao fiscal da lei, o Ministério Público, enquadrar quem não a cumpre. A lei é explícita, mas alguns usam desse expediente, de dizer que falta regulamentação, para desobedecê-la- diz Carrion, que deixou o cargo de deputado estadual pelo PC do B na virada do ano.
No entanto, o próprio texto fala em regulamentação: no artigo 3º, que trata sobre o desconto a jovens entre 16 e 25 anos pertencentes a famílias de baixa renda, consta que a comprovação dessa situação "deverá ser objeto de regulamentação". O resto, diz Carrion, está valendo. Na Assembleia Legislativa, onde o texto foi aprovado no ano passado, a informação foi recebida com espanto. Até receber a ligação da reportagem, o deputado Edson Brum (PMDB), presidente da casa e um dos colaboradores de Carrion na idealização do projeto de lei, não sabia que alguns eventos estavam descumprindo a norma. Ele diz que agora o papel da AL é pressionar órgãos como o Procon e o MP, para que fiscalizem e, finalmente, punam quem descumpri-la - algo que, de acordo com ele, será feito. O que ninguém sabe dizer é quando a situação vai se resolver.
-Isso é uma surpresa negativa. Se eles não estão cumprindo, cabe ao Procon e ao Ministério Público agir. Na minha opinião, é um retrocesso. A lei está vigorando, foi aprovada. Isso é conversa fiada! A gente entende o outro lado, a dificuldade de se trazer um grande show, mas tem que haver uma previsão desse desconto. Eu vou dar uma olhada com o meu pessoal para ver o que a gente pode fazer, provocar o MP, fazer com que haja uma fiscalização - diz Brum.
O Procon, com base nas inúmeras reclamações que recebeu, notificou em abril deste ano estabelecimentos de cinema, produtoras e a dupla Gre-Nal, que não estavam cumprindo adequadamente a lei. Segundo o diretor executivo do Procon de Porto Alegre, Cauê Vieira, apenas duas empresas se manifestaram negativamente às notificações: a Opinião Produtora e Time For Fun, alegando que a lei carece de regulamentação. A partir disso, foram abertos processos administrativos no Procon para apurar respostas e entender como o órgão vai reagir.
- Acredito que a finalização desses processos aconteça em 30 dias. Estamos reunindo reclamações quanto a isso, que comprovem o dano à sociedade causado pelo descumprimento da lei - explica.
Além disso, o diretor do Procon afirma que o órgão está articulado com as secretarias municipais da Juventude e da Cultura para estudar a atualização da lei municipal de Porto Alegre, que hoje concede 20% de desconto a estudantes, praticado pelas produtoras em questão. Para Vieira, a lei da meia entrada a ser aplicada em eventos na Capital é a estadual - que concede 50% de desconto a estudantes -, pois é mais vantajosa para o consumidor e, consequentemente, se sobrepõe à municipal.
Coordenador substituto da Promotoria do Consumidor do Ministério Público do Rio Grande do Sul, o promotor Alcindo Luz Bastos da Silva Filho diz que não pode dar respostas definitivas sobre o caso - o titular da pasta está de férias até o fim do mês. Há uma reunião marcada para discutir o problema com as produtoras no dia 16 de junho. A Opinião Produtora, no entanto, é a única que confirma o contato do MP - Hits, Opus, Engage e Abstratti dizem não terem sido informadas.
- Essa questão já faz parte das preocupações da promotoria e vai ser resolvida - diz.
O promotor garante que, se for constatado que a lei está sendo descumprida, clientes que pagaram a mais poderão ter seu dinheiro ressarcido. Questionado sobre detalhes, ele disse não pode responder, já que é responsável pela pasta apenas temporariamente. Porém, explica que o procedimento padrão é: abrir uma investigação, verificar se a lei está sendo descumprida e, caso esteja, fazer um termo de ajustamento de conduta. Depois disso, se não houver consenso, a solução é levar a questão para a Justiça.