Parece inacreditável, mas, passadas quase três semanas do tal "beijo gay" protagonizado por Teresa e Estela, personagens de Fernanda Montenegro e de Nathalia Timberg no primeiro capítulo da novela Babilônia, ainda há os que não se conformam com o feito. Com uma duraçãozinha de nada, a cena resultou em gente escandalizada e indignada, que anda liderando boicotes contra a novela.
É o caso da Frente Parlamentar Mista Permanente em Defesa da Família Brasileira, órgão da Câmara Federal e que é presidido pelo senador Magno Malta (PR-ES). Malta acusa a novela de fazer "apologia do mal" e de "pretender destruir famílias" - como se um beijo entre duas octogenárias fosse desmantelar a moral e os bons costumes.
Claro que Malta, a bancada evangélica e toda a grande parcela da população de moral mais conservadora tem toda a liberdade de não gostar dessa cena ou de qualquer outra. É deles o direito sagrado de desligar a televisão, mudar de canal, até de comandar boicotes. O que se torna exagerado é essa quase obsessão em tutelar os telespectadores, como se o público fosse constituído por um bando de débeis mentais que não sabem ao que deve assistir (aliás, Malta encarna - mais - uma espécie de moral de cuecas, envolvido que esteve no Escândalo das Sanguessugas, aquele da compra de ambulâncias).
Com a pegada cada vez mais realista, às vezes hiper-realista, das telenovelas, o aproveitamento de temas corriqueiros na vida brasileira (favelas, criminalidade, corrupção, tráfico de drogas) tornou-se mandatório. Que surja, então, um casal de lésbicas em nada deveria surpreender - porque há, e sempre houve, grande quantidade de casais assim conformados.
Uma última consideração. Para compor a trama, os autores Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga "precisam" de Teresa e Estela e da difícil vida pregressa de ambas numa sociedade - justamente - preconceituosa. Logo saberemos, por exemplo, que o filho de Teresa saiu do Brasil com vergonha da mãe lésbica.
Em resumo: a homossexualidade é elemento narrativo necessário e que não pode ser banido em nome de uma moral que não se sustenta em sua própria base.
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