A reputação deles se deve a clipes malucos com uma tartaruga voadora animada e um herói urbano metido, geralmente considerado a primeira sensação da internet no país.
Porém, na hora de escolher o tema do clipe da canção "Matatizo" no ano passado, os músicos quenianos conhecidos como Just a Band escolheram as câmaras de tortura da Nyayo House, sede de vários órgãos governamentais do Quênia. Para dar um toque a mais, eles chegaram a publicar um link na página do YouTube para um relatório sobre as vítimas da tortura durante o governo do ex-presidente Daniel arap Moi.
- Nunca iremos resolver os problemas se não pararmos de varrê-los para debaixo do tapete - afirmou durante show recente Bill Sellanga, um dos integrantes do grupo.
O clipe político não teria sido possível durante o governo de Moi, que controlou o país com punho de ferro durante mais de duas décadas. O Just a Band foi criado em 2003, um ano depois que ele deixou o governo em um instante de efervescência criativa.
Binyavanga Wainaina, escritor e editor fundador de "Kwani?", revista literária de Nairóbi, afirmou que as mudanças saíram de seu país para boa parte da África subsaariana.
- O crescimento da democracia na África na década de 1990 levou ao desenvolvimento de muitas e muitas instituições artísticas independentes e a produtoras artísticas; algumas tinham a ver com a tecnologia, mas também aumentaram as liberdades para um povo imaginar coisas para si mesmo.
Desde o movimento contra o colonialismo às décadas passadas após a independência, ondas sucessivas de arte africana, tanto de escritores como Chinua Achebe e Ngugi wa Thiong'o quanto de músicos feito Fela Kuti e Youssou N'Dour, se espalharam muito além do continente.
Jornais literários como o "Kwani?" e o sul-africano "Chimurenga" estão incubando novos escritores. Segundo alguns dados, a indústria do cinema nigeriano, conhecida como Nollywood, só fica atrás da Índia como a mais prolífica do mundo.
Nas artes visuais, Angola venceu o Leão de Ouro na Bienal de Veneza pelo melhor pavilhão nacional, em 2013, derrotando favoritos tradicionais como Alemanha e França. Okwui Enwezor, nigeriano diretor do museu de arte Haus der Kunst, Munique, acabou de ser indicado diretor de artes visuais da bienal de 2015.
Em Londres, o Tate Modern expôs obras de Meschac Gaba, do Benin, e de Ibrahim el-Salahi, do Sudão. Nascida em Nairóbi, Wangechi Mutu é atualmente o tema de uma exposição no Museu do Brooklyn.
Em novembro, um leilão em Nairóbi de arte moderna e contemporânea da África Oriental atraiu uma grande multidão e compradores de obras como uma placa de madeira no formato de uma vaca com código de barra, do jovem artista queniano Peterson Kamwathi. Operários estão ocupados transformando uma antiga biblioteca no centro da capital queniana em um museu de arte contemporânea que deve ser inaugurado até o final do ano.
Restrições à imprensa e à sociedade civil ainda existem em muitos países, mas a confluência de maior liberdade de expressão como um todo com o potencial da internet - enquanto orientadora, professora e divulgadora - significa que os artistas africanos podem atingir e atrair novos públicos. O Just a Band se apresentou na conferência TedGlobal no ano passado e tocou no festival South by Southwest, em Austin, Texas. O Google o declarou uma história de sucesso "conectada".
Centenas de pessoas lotaram um armazém no centro em uma sexta-feira á noite. Foi Daniel Muli, do Just a Band, quem comandou os toca-discos. O terceiro membro do grupo, Mbithi Masya, foi o curador de uma instalação de vídeo exibida na parede atrás dele, incluindo obras suas e de Mutu.
O público jovem e chique foi até lá para conferir a premiada escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie apresentar o livro mais recente ao lado da colega queniana Yvonne Adhiambo Owuor.
"Dust", de Owuor, lançado naquela noite, é uma obra intensa sobre a morte de um jovem queniano, em boa parte ambientada em meio à violência que se seguiu à eleição de 2007, mas que remete à Revolta dos Mau-Mau contra os britânicos.
- Existe um quê emocionante nas perguntas que os quenianos se fazem com seus livros. A coisa não se resume a celebrar o passado e copiar o que está acontecendo em outro lugar - afirmou Ellah Allfrey, editora e crítica de livros nascida no Zimbábue e radicada em Londres que foi a Nairóbi participar do evento.
Owuor afirmou ser muito empolgante publicar o primeiro romance enquanto o Quênia festejava 50 anos de independência.
- As coisas estão sempre em movimento, sempre em convergência, há sempre algo novo - disse Owuor, citando a nova arte visual e conceitual. Ela classificou o Just a Band de "muito típico de Nairóbi" e declarou que "eles são, de muitas formas, o pulso".
Há pouco tempo, o grupo se apresentou com uma formação com sete integrantes no festival Blankets & Wine no Carnivore Gardens, Nairóbi, enquanto Sellanga, o animado vocalista, trajava roupa formal e um chapéu de aba larga, incentivava o público a acenar as mãos e cantar junto.
O Just a Band se formou na Universidade Kenyatta, em Nairóbi, onde a banda começou a produzir uma mistura eclética de música eletrônica e hip-hop, com clara influência local. Eles cresceram ouvindo Michael Jackson e buscaram inspiração em tradições tão diferentes quanto os desenhos animados japoneses e a mitologia africana. Os membros do grupo abordam assuntos tão distintos quanto os cubos de energon que alimentam os robôs da série Transformers quanto o plano de navegar ao longo do Nilo com bandas de todos os países encontrados no caminho.
O primeiro disco deles foi lançado em 2008, mas não fez sucesso nas rádios locais. Eles produziram seu próprio clipe para a música "Iwinyo Piny", com Muli desenhando a tartaruga gigante que flutua sobre Nairóbi. Em grande medida, o grupo aprendeu sozinho, usando vídeos explicativos do YouTube para aprender o novo conhecimento, incluindo a animação.
- Basta entrar na internet e encontrar um jeito de experimentar, errar na primeira vez, mas tem uma hora que você pega o jeito - garantiu Muli.
Clipes criativos se tornaram a marca registrada
O vídeo chamado "If I Could" mostra o cotidiano de um homem e uma mulher em uma tela dividida - escovando os dentes, tomando o café da manhã, vestindo-se - antes de perderem por pouco a chance de se conhecer. O clipe integrou uma instalação de vídeo no Instituto Goethe, em Nairóbi, que ajudou a solidificar sua reputação como artistas visuais não apenas musicais. A segunda instalação foi para Nova York, sendo exibida na Rush Arts Gallery.
Temas políticos já haviam aparecido em seus vídeos, como o da música "Usinibore", no qual policiais batem cassetetes em escudos enquanto se preparam para enfrentar jovens e dançarinos de máscara branca. A seguir, veio o clipe de 2013 sobre o centro de tortura, "Matatizo".
- Nós tivemos algumas ideias melancólicas, mas a maioria parecia meio forçada; a gente estava roteirizando uma tristeza falsa - disse Masya, 27 anos, codiretor e operador de câmera do clipe. Em vez disso, eles optaram por mergulhar em eventos reais:
- Nós decidimos visitar um dos pontos mais tristes da nossa História.
Durante uma ruidosa apresentação em um show recentemente, o Just a Band tocou "Usinibore". Sellanga usou uma peruca afro gigante, moletom com a frase "África é o futuro" e tocou uma guitarra Fender preta com escudo branco.
- Só porque sou um africano de pele negra, não quer dizer que não vou vencer se tentar", ele cantou. O refrão assegurava "não me diga o que posso ou não fazer, eu posso mudar o mundo".
Pelo mundo
Com crescimento da democracia, onda de criatividade artística tomou conta da África
Desde o movimento contra o colonialismo às décadas passadas após a independência, cultura africana se espalhou muito além do continente
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