O chef brasileiro Alex Atala, 45 anos, estava preparando dois canapés e cinco pratos de um jantar para aproximadamente 70 pessoas em Manhattan em uma sexta-feira recentemente quando lhe ocorreu a necessidade de pratos pretos.
A maioria de seus pratos, preparados com ingredientes brasileiros que até mesmo alguns dos mais sérios gastrônomos norte-americanos nunca ouviram falar, sairiam da cozinha em pratos brancos tradicionais. Já a sobremesa era diferente, consistindo de três raviólis recheados com discos fininhos de banana recobertos com os sabores de limão e priprioca, raiz amazônica cuja fragrância vagamente doce de folhas de outono no bosque costuma aparecer em perfumes.
O envoltório era feito de gelatina transparente, dando ao ravióli uma cobertura quase embrionária ou extraterrestre cujo impacto visual se perderia sem um prato preto. - Se você coloca algo transparente em uma superfície branca, não haverá contraste suficiente - , disse Atala.
De alguma forma, tudo deu certo. Ele fez um pedido e 75 pratos pretos chegaram algumas horas depois no 51º andar da torre do Bank of America, em Midtown Manhattan.
Atala estava a milhares de quilômetros de seu aclamado restaurante D.O.M. em São Paulo, e fazendo malabarismos com ingredientes dos Estados Unidos e do Brasil em duas cozinhas diferentes de Nova York (a primeira nos fundos do Momofuku Ssam Bar e a segunda na torre do Bank of America). Porém, ele era capaz de encarar defeito após defeito sem perder a calma.
Na verdade, o mero fato de segui-lo de perto parecia remédio para a pressão alta. Em sua órbita, o silêncio vale ouro e chiliques de arremessar espátulas são proibidos. - Não tem drama. Como se pode ver, não tem barulho nem gritaria. -
O que não quer dizer que este jantar, a primeira refeição ao estilo do D.O.M. que ele já preparou nos EUA (como parte do Festival de Comida e Vinho da Cidade de Nova York), esteve isento de tensões. O sucesso do banquete dependia da chegada de dois integrantes da equipe do D.O.M., Dante Bassi e Katrin Vetter, mas o voo original do Brasil fora cancelado. Em Nova York, eles iriam trabalhar com Matthew Rudofker, chef executivo do Momofuku Ssam Bar, e outros cozinheiros escolhidos do império Momofuku de David Chang; Atala e Chang são amigos.
Também havia a questão dos ingredientes cruciais que os dois cozinheiros levariam com eles no avião. Entre outras coisas, eles tinham um recipiente cheio de palmitos congelados, que Atala pretendia usar, como substituto paulistano de macarrão, para um fettuccine com manteiga, sálvia, queijão parmesão e pipoca em pó.
Os cozinheiros brasileiros terminaram chegando a Nova York um dia depois, mas - eu já estava muito nervoso antes - , confessou Atala. - Eu não conseguia dormir. -
O cardápio do D.O.M. poderia ser visto como uma versão culinária de um romance de realismo mágico sobre o Brasil, e sua conexão a ingredientes nativos é tão profunda que invocar a comida de Atala sem eles seria em vão. Por esse motivo, ele e sua equipe trouxeram queijo Catupiry e azeite aromático de pimenta, essência de priprioca e uma manteiga líquida brasileira malcheirosa que Atala descreveu alegremente como "rançosa".
E se alguém quisesse experimentar, o chef ficava feliz em dar um pouco.
- Trata-se de um ingrediente incrível - , ele disse no Booker and Dax, o espaço para coquetel ligado ao Ssam Bar, onde ele e sua equipe comiam ostras e carré de cordeiro. Ele pegou um spray cheio de essência de priprioca e borrifou um pouquinho em um lenço para que um visitante pudesse cheirar.
- Quando cheiro isto, parece almíscar, mas muito mais delicado - , ele murmurou. - Também existem notas de carvalho. -
Provavelmente para o alívio de monitores de espécies invasoras no país, Atala não quis contrabandear nenhum inseto. Seu novo livro de receitas, "D.O.M. - Redescobrindo Ingredientes Brasileiros", traz a imagem impressionante de um prato que é sua marca registrada, "formigas e abacaxi": um cubo amarelo-claro da fruta coroado por uma única saúva. Quem experimentou disse que a formiga tem gosto marcante que lembra capim-limão, gengibre e cardamomo.
Como muitos chefes, no entanto, ele não gosta de ludibriar sua visão, e comparar elementos brasileiros com os citados em Nova York provocou nele certa vergonha silenciosa. Um de seus canapés trazia lagostim envolto em finas camadas de abobrinha, coberto com azeite aromático e flores comestíveis.
Entretanto, enquanto chegava a hora do jantar, o chefe podia ser visto enfeitando cada porção com toques verdes. - Eu ia usar flores, só que elas não estavam bonitas. -
Gastronomia
Um toque brasileiro na culinária de Manhattan
Alex Atala é reconhecido internacionalmente como um dos melhores chefes de cozinha dos mundo
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