Donna Tartt é o tipo de escritora que faz com que outros escritores, como diz a sua colega sulista Scarlett O'Hara, morram de inveja.
Ela é tão versada em literatura que é conhecida por citar poemas e passagens inteiras de romances franceses com seu leve sotaque do Mississippi. Em fotos, ela passa a imagem de um mistério fantasmagórico, com sua pele de porcelana e cabelo chanel preto, sugerindo um cruzamento entre Anna Wintour e Oscar Wilde. Além disso, tem uma autoconfiança tão inabalável que não ocorreria a ela se preocupar com o fato de que seus romances - todos os três já publicados - demoraram décadas para chegar às livrarias.
Tartt, de 49 anos, saiu de seu casulo típico de escritora para a ocasião da publicação de "The Goldfinch" ("O Pintassilgo", em tradução livre), talvez o livro mais esperado deste trimestre, um romance de formação de 771 páginas, que já foi chamado de deslumbrante, dickensiano e hipnotizante. Ela evita a maior parte das entrevistas e não tem desejo algum de marcar presença no circuito de palestras, leituras e bailes de premiação literários.
Ao chegar para um almoço recentemente em um restaurante em Greenwich Village, Tartt tirou sua pequena jaqueta e lamentou imediatamente o que tinha descoberto no caminho: a Barnes & Noble que ficava perto dali tinha fechado as portas.
- Vi o William S. Burroughs lá uma vez - , disse ela, parecendo triste. Em seguida, começou a relatar uma história breve da indústria do livro, desde antes da Internet até a época atual de e-books, lembrando que quando o seu primeiro romance, foi publicado de maneira ultrapassada, pré-computadorizada, datilografado em uma máquina de escrever.
- É muito estranho - , disse ela. - A coisa mais estranha disso tudo é que o intervalo entre a publicação de um livro e outro para mim é tão longo que o mundo editorial muda completamente a cada vez. Por isso, é como se fosse sempre a primeira vez. -
Tartt se tornou uma celebridade instantânea com a publicação de "A História Secreta", seu romance de 1992 sobre um grupo de helenistas eruditos assassinos que atuam em uma faculdade particular de New England. O livro já vendeu mais de 5 milhões de cópias e foi traduzido para dezenas de idiomas.
Ela começou a ficar espantada com toda a repercussão cerca de duas semanas antes da publicação do romance. O lançamento foi acompanhado por um perfil na revista Vanity Fair, segundo qual Tartt seria - muito famosa em breve - provavelmente isso já terá acontecido no momento em que você estiver lendo esta matéria -
- Eu aprendi bastante cedo que não fui feita para a badalação em torno da literatura", disse ela, com a voz sumindo e os olhos verdes virados para o outro lado. "Muito barulho, muito rebuliço, muito... -
Para seu alívio, o assédio diminuiu, e Tartt retomou a escrita, concedendo entrevistas e discutindo sua vida privada raramente. (Apenas para constar, ela é solteira, não tem filhos e divide o tempo entre Manhattan e o interior da Virginia). Dez anos depois de "A História Secreta", Tartt e sua editora, a Knopf, lançaram "O pequeno amigo", uma história que se passa no Sul que recebeu críticas muito menos entusiasmadas, mas que ainda assim atingiu um índice de vendas notável rapidamente.
Ela voltou a trabalhar em um novo romance que teve início durante viagens a Amesterdã mais de 20 anos atrás. Tartt costuma escrever notas em cadernos, e algumas das primeiras cenas de "The Goldfinch" foram tiradas de anotações datadas de 1993. - Fiquei escrevendo por um tempo sem saber o que estava escrevendo - , disse ela. - É assim que escrevo todos os meus livros. As coisas vêm até nós e não sabemos exatamente como eles se encaixam. Temos que confiar na forma como todas elas se combinam. Temos que confiar na ideia de que o subconsciente sabe o que está fazendo -
O livro se concentra em uma quadro de 1654 do artista holandês Carel Fabritius - o "Pintassilgo" - que Tartt, falando com a autoridade de uma historiadora de arte, disse ser o "elo perdido" entre Rembrandt e Vermeer.
Grande parte da pesquisa e da escrita de Tartt foi realizada na sala Allen, no edifício principal da Biblioteca Pública de Nova York, repleta de painéis de mármore e madeira, onde trabalhou regularmente no período da manhã, escrevendo com canetas esferográficas simples em cadernos de espiral. Ela evitou ao máximo possíveis distrações; Tartt não tem perfil no Twitter e disse que nas poucas vezes em que usa a internet, é geralmente para encontrar o endereço de um restaurante.
Uma viagem para Las Vegas que ela inicialmente se recusou a fazer - - É uma longa história - , contou ela - fez com que ela decidisse que boa parte do romance deveria se passar lá, de modo que a abrangência geográfica do livro vai além de Nova York e Amsterdã.
A obra, que levou mais de 10 anos para ser escrita, é narrada por Theo Decker, um garoto de 13 anos de Nova York cuja vida é violentamente abalada por uma visita de rotina ao Museu Metropolitano de Arte com a mãe, adorada por ele. A explosão de uma bomba mata a mãe de Theo e outros inocentes em um ataque terrorista, incluindo um homem que, pouco antes de morrer, implora para que Theo leve "O Pintassilgo" para fora da fumaça dos destroços do museu.
Ao longo de quase 800 páginas, o livro faz perguntas profundas: será que é possível ser bom? Que papel o amor exerce no nosso comportamento? O que é verdadeiro e duradouro na vida? Escrevendo no The New York Times, Michiko Kakutani disse que o romance - reúne todos os notáveis talentos narrativos de Tartt em um todo arrebatador, sinfônico, lembrando o leitor dos prazeres de mergulhar em um livro e varar a noite lendo. -
"Eu não consigo pensar em nenhum outro escritor que invente cada personagem e cada cenário de modo tão inerente a cada personagem e cenário. Não duvidamos sequer por um segundo de que estamos experimentando algo real", disse Michael Pietsch, editor de Tartt na Little, Brown & Co., atual diretor executivo da Hachette, a sua empresa-mãe.
A abrangência geográfica dickensiana de "The Goldfinch" tem raízes na infância de Tartt em Granada, Mississipi, onde ela começou a escrever e desenhar seus próprios livros quando tinha 5 anos de idade. Fazendo cópias de National Geographic, ela cortava fotos de uma zebra ou uma criança e escrevia uma história sobre cada imagem. - Escrevia livros desta forma, em torno das imagens - , disse Tartt, algo que não ocorreu com ela até "The Goldfinch" - um livro que envolve a imagem de um luminoso pássaro amarelo tingido - ficar pronto.
Quando adolescente, ela trabalhou na biblioteca local e leu quase tudo que ficava nela, devorando romances do século XIX. "Eu lia tanto Dickens quando estava crescendo que hoje esses livros estão mais dentro de mim do que fora de mim", disse Tartt.
Com a publicação de "The Goldfinch" marcada para apenas alguns poucos dias depois, Tartt estava se preparando, com alguma relutância e ao mesmo tempo acometida por uma gripe, para dar conta de todos os eventos que acompanhavam a ocasião da publicação: uma festa em comemoração ao livro, uma turnê por doze cidades para divulgar o lançamento que partiria de Nashville, no Tennessee, até chegar a Edimburgo, na Escócia. Por pura coincidência, na data da publicação, uma exposição de quadros de mestres holandeses começou na Coleção Frick, em Manhattan. "O Pintassilgo" está entre eles. (Uma porta-voz do Frick disse que a exposição foi planejada sem o conhecimento do livro de Tartt).
- Minha editora holandesa me ligou e disse: 'Você não vai acreditar nisso - , disse Tartt. - De fato é um pouco estranho. Foi algo muito emocionante para mim, de uma maneira estranha. Só para ficar bem claro, não se tratava apenas de datas próximas. Foi o mesmíssimo dia. -