Andaimes de metal envolvem um prédio magnífico do século XVII no distrito histórico de Marais. Abrigando a maior coleção de obras de Pablo Picasso, o edifício está fechado por conta de reformas nos últimos quatro anos.
Originalmente, o projeto deveria durar dois anos, mas as datas de reabertura foram trocadas várias vezes, e o orçamento da reforma dobrou, subindo para US$ 70 milhões. A reinauguração do museu reformado, antes programada para dezembro, foi agora adiada para junho - atraso que pôs em evidência o papel obstinado e por vezes controverso da presidente do museu, Anne Baldassari, 58 anos, em sua recuperação.
O projeto ganhou complicadores em função de conflitos internos que vieram à tona no ano passado em manchetes alertando que o Museu Picasso se encaminhava à "implosão" e ao colapso nervoso" , sob a gestão de Baldassari.
Estudiosa de Picasso que foi subindo no escalão ao longo de duas décadas para se tornar presidente do museu, Baldassari está inextricavelmente ligada ao projeto. Ela levantou a maior parte dos fundos para a iniciativa e gerou a onda de críticas sugerindo que seu estilo de liderança provocou os atrasos.
Durante seu mandato, vários curadores tarimbados deixaram a equipe do museu, reclamando de interferência da presidente e seu fracasso em delegar autoridade. O principal diretor do museu saiu com mais cinco pessoas em 2012 e seu substituto se demitiu em julho, confirmando a saída pelo Twitter. Nenhum dos antigos funcionários aceitou comentar publicamente por medo de represálias no fechado mundo da arte parisiense.
Todavia, em um período de crise econômica e cortes públicos para o financiamento da cultura, Baldassari conseguiu arrecadar US$ 41 milhões para a reforma exportando obras de arte para exposições no exterior. Essa estratégia de receita é uma tendência crescente entre os grandes museus franceses, mas mesmo assim atraiu críticas da associação nacional de curadores por conta dos riscos de danificar peças preciosas durante o transporte a longas distâncias.
As turnês constantes, de São Francisco a Sydney, aborreceram outros museus parisienses porque Baldassari negou seus pedidos de empréstimos, apesar do costume de trocas gratuitas na França. Entre os recusados estão o Centro Pompidou e o Musée d'Orsay.
Baldassari, que conta com os familiares de Picasso entre os aliados, defende sua administração, argumentando que, enquanto mulher, ela recebeu mais ataques do que um homem em sua posição. - O estresse tem sido horrível por causa da responsabilidade de cuidar de um projeto deste nível - , disse Baldassari, mulher baixinha com longos cabelos louros que se tornam grisalhos. - Uma mulher na minha posição tem de matar um leão por dia. Sempre existem suspeitas e controvérsias, o que é difícil. A crítica endereçada a mim é um reflexo do sexismo geral. -
Ela observa que conduziu o museu durante o "olho do furacão da crise econômica" que atingiu as instituições culturais na Europa e na França, onde o antes sacrossanto orçamento cultural, cortado em dois por cento neste ano para cerca de sete bilhões de euros, sofrerá nova redução de dois por cento em 2014.
O arquiteto do projeto, Jean-François Bodin, afirmou que os obstáculos burocráticos em obter autorizações atrasaram o começo da reforma até setembro de 2011, dois anos após o fechamento do museu. Conforme se passavam os meses, elementos demorados foram acrescidos ao projeto.
- Anne é uma verdadeira lutadora e foi graças à sua energia que este projeto teve início - , afirmou Bodin. - Ela batalhou de verdade e nunca deixou nada parado. -
Claude Picasso, filho do artista e integrante do conselho administrativo do museu, explicou que o projeto complexo também foi detido pela falta de dinheiro, mas que terminou avançando por causa de Baldassari. - Houve muita pressão, o que nos forçou a um momento horrível o qual todos nós tivemos de enfrentar - , ele disse, citando a onda de saída de funcionários.
Aberto em 1985, o museu tem mais de cinco mil obras doadas pela família de Picasso após sua morte, em 1973, sob a lei que autoriza aos herdeiros contribuir com a arte em vez de pagar impostos. Mais doações vieram do espólio da última esposa de Picasso, Jacqueline Roque, e de Anne Sinclair, integrante do conselho do museu e ex-esposa de Dominique Strauss-Kahn, antigo diretor do Fundo Monetário Internacional.
A mansão do museu, o antigo Hôtel Salé, foi reformada na década de 1980, mas ao longo dos anos, a administração do museu decidiu que o prédio estava apertado e que a segurança, o acesso a deficientes e os sistemas de controle climático se encontravam ultrapassados. Dezenas de janelas à prova de bala a um custo de 12 mil euros cada figuram entre as novas melhorias da segurança no museu, atacado em junho de 2009 por um ladrão que roubou um caderno de esboços do artista, ainda não recuperado.
O espaço público do museu será praticamente triplicado, chegando a perto de 5.400 metros quadrados, graças à mudança dos escritórios administrativos para um prédio recém-adquirido. Os trabalhadores transformam a ala administrativa no terraço em uma luminosa galeria branca com grossas vigas de castanheira e vista para a Torre Eiffel, e a expansão do espaço aberto ao público no porão permitirá excursões escolares. Foram limpas esculturas de Júpiter e querubins, do século XVII.
Baldassari virou alvo de críticas antes mesmo de a reforma começar, quando as obras de Picasso começaram a viajar para o exterior nove meses antes de o museu ser fechado, em 2009. O clamor se intensificou quando ela negou empréstimos ao Musée d'Orsay e, posteriormente, ao Centro Pompidou, para uma exposição cubista sobre a obra de Georges Braque, aberta até janeiro no Grand Palais.
Baldassari contou ter declinado o pedido do Musée d'Orsay porque este envolvia uma exposição que não era considerada oficialmente um programa nacional, selo do Ministério da Cultura para eventos que qualifica museus a apoio financeiro extra. Contudo, o museu emprestou recentemente peças para uma mostra em Cannes organizada por Marina, neta de Picasso, que não contava com tal selo.
Baldassari contou que o pedido do Centro Pompidou foi negado por causa da "fragilidade extrema" da obra em questão, que não foi exposta no exterior. "É surpreendente que os curadores da exposição de Braque pareçam ignorar as regras básicas de conservação de obras gráficas", declarou a presidente.
Baldassari disse se sentir justificada pelas turnês, observando que museus em vários países ganharam dinheiro com exposições conjuntas.
Assim que o museu reabrir, as turnês serão reduzidas de cinco para uma só por ano. Enquanto isso, ela inspeciona a reforma diariamente.
É quase como se a mansão - fosse parte do meu corpo - explica. - Eu trabalho o tempo todo. Não tenho nada além de preocupações. Sou criticada. Minha única compensação é este prédio, produzindo um edifício que seja o mais perfeito em seu conceito. -

