Cientistas da Universidade de Chicago publicam de tempos em tempos, na capa do seu boletim sobre segurança global, o relógio do juízo final. São ponteiros simbólicos que indicam poucos minutos para o fim do mundo sempre que alguma ameaça real é detectada, entre as quais os testes nucleares de 1953 e os riscos de aquecimento global constatados no ano passado. Outro dia li que a nossa galáxia pode ser engolida por um buraco negro, mas isso o reloginho fatídico ainda não registrou, talvez pela improbabilidade, talvez porque um episódio desses seja de difícil compreensão até para os astrônomos.
De minha parte, confesso que tenho dificuldade para entender até mesmo o funcionamento de um relógio comum. Aliás, acho que nem existe mais relógio comum. Primeiro eles perderam os números. Depois, perderam os ponteiros e recuperaram os números. Finalmente, foram gradativamente substituídos por uma parafernália de equipamentos polivalentes que, entre outras coisas, mostram as horas. Hoje os relógios são muito mais objetos de decoração ou adereços do que propriamente marcadores do tempo, finalidade para a qual foram criados.
O tempo é uma invenção da morte, alertou Mario Quintana, que tinha uma verdadeira implicância com os relógios, ainda que os tenha transformado em personagens de muitas de suas belas poesias. Também sou um pouco avesso a essas maquininhas diabólicas, que empurram o presente para o passado com incessantes tique-taques. Aqueles relojões de pêndulo, então, quase sempre me deixam nervoso. Detesto dormir em ambientes marcados pelo badalar dos segundos.
Não sei se foi uma invenção muito feliz essa de construir máquinas para medir o tempo. Por que fazemos isso? Para apressar o fim da vida? Para agourar o apocalipse? E se a gente ainda se guiasse pelas aparições do Sol - mesmo que, na verdade, sejamos nós que aparecemos para ele quando a Terra dá a sua volta?
O relógio é, sem dúvida, uma fonte de angústias. É ele que nos diz que as horas estão custando a passar ou que passam depressa demais. E, nessa nossa ansiedade de inventores de problemas, nunca o consultamos para celebrar o tempo que recebemos de graça para demarcar a nossa existência neste planeta. Não. Sempre estamos querendo saber quanto tempo falta para a eternidade - esse mistério à prova de relógios.
Não é uma incoerência isso?
Colunista
Nilson Souza: Relógio apocalíptico
'Hoje os relógios são muito mais objetos de decoração ou adereços do que propriamente marcadores do tempo, finalidade para a qual foram criados'
Nílson Souza
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