Aqueles meninos estavam à toa na vida, entediados, frustrados por serem repetentes, acovardados diante da segunda-feira que teimava em chegar, implacável, escancarando a diferença entre bons e maus alunos. Beberam e botaram fogo na escola. Triste. Deprimente. Condenável sob todos os aspectos.
Ah, se alguém, em algum momento pretérito, os tivesse chamado para ver a banda passar, cantando coisas de amor. Aposto que eles não teriam deixado tanta gente sofrida: o homem sério que contava dinheiro, o balaqueiro que contava vantagem, a namorada que contava as estrelas - todos, enfim.
Também eles, certamente, teriam passado por transformações. Como a moça triste que vivia calada e sorriu. Como a rosa triste que vivia fechada e se abriu. Como a meninada toda que se assanhou ao ver a banda passar, cantando coisas de amor.
Se eles tivessem sido chamados para ver a banda passar, possivelmente teriam visto que até o velho fraco se esqueceu do cansaço, saiu ao terraço e dançou. Mais: teriam percebido que a moça feia debruçou na janela, pensando que a banda tocava pra ela.
Pena que aqueles meninos ingressaram na madrugada da depredação sem ver nem ouvir a marcha alegre que se espalhou pela avenida e fez até surgir a Lua cheia que vivia escondida. Pena não terem percebido que a cidade toda se enfeitou para ver a banda passar, cantando coisas de amor.
Mas para meu - e seu - desencanto, querida leitora, prezado leitor, o que era doce acabou, nada voltou ao lugar depois que a banda queimou. Ficamos todos tomados de pranto e terror, cada qual no seu canto, em cada canto uma dor, pensando que jamais voltaríamos a ver aquela banda passar, cantando coisas de amor.
Voltaremos, porém.
Com instrumentos emprestados ou doados, os garotos e as garotas da banda escolar já encantam novamente a cidade, já arrancam lágrimas dos assistentes, já motivam o velho fraco a dançar, a moça feia a suspirar, a rosa a se abrir, a Lua cheia a surgir.
Ah, se aqueles meninos embriagados de frustração tivessem algum dia participado da banda. Duvido que tivessem feito o que fizeram.
E o detalhe mais irônico e emblemático dessa história é que a banda de Eldorado do Sul também toca para eles.