O clima de permissividade que pairava sobre a música popular no início da década de 1970 era tão imperioso que até artistas já estabelecidos resolveram apostar na ousadia. O que dizer, então, dos "novatos"? A eles, tudo era lícito. Nesse contexto, o ano de 1973 é fundamental, por dar à luz os primeiros discos de nomes que, mesmo diferentes entre si, traziam no todo um grito de liberdade que perdura até os dias de hoje.
Os long-plays de estreia de Luiz Melodia, Walter Franco, Secos & Molhados, Sérgio Sampaio, João Bosco, Fagner, Gonzaguinha e Raul Seixas ajudaram a determinar a sonoridade de uma época em que quase tudo em termos de canção já havia sido feito e que falar demais era perigoso. A ditadura militar, entretanto, não demoveu os estreantes da missão civilizadora.
- A bossa nova renegou o passado, mas o tropicalismo o inseriu novamente na música brasileira. Então, quando nós chegamos, nada mais era cafona - diz Ney Matogrosso, vocalista do Secos & Molhados.
O pesquisador de música popular paulistano Sérgio Molina conta que, já em 1972, é possível perceber ventos de mudança na canção brasileira, vide os trabalhos de artistas como Jards Macalé e Novos Baianos.
- É o reflexo de um processo de abertura e criatividade que veio depois do tropicalismo. E mesmo nomes conhecidos estavam buscando novos caminhos, como comprovam Construção (Chico Buarque, 1971), Clube da Esquina (Milton Nascimento, 1972), Araçá Azul (Caetano Veloso, 1972) e Expresso 2222 (Gilberto Gil, 1972). Todos radicalizaram em seus trabalhos.
Molina destaca que a turma de 1973 herdou um preceito importante do tropicalismo, e que passa a não mais ser estranho depois do movimento: o mesmo disco comporta canções de gêneros diferentes.
- A unidade é a desunidade - acredita Roberto Menescal, que em 1973 era diretor artístico da Phonogram (atual Universal Music), selo que lançou trabalhos de Sampaio, Seixas, Fagner e Melodia. - Na minha concepção, eles tiveram coragem de fazer coisas diferentes do que estava acontecendo. Não que seja melhor, mas diferente. Algo como: "Não sou da Tropicália nem da Jovem Guarda nem da bossa nova. Mas possuo elementos de todas elas".
Fora dos padrões em Ou Não, Walter Franco diz ter tentado fugir do lugar-comum. Depois de participar do Festival Internacional da Canção, em 1972, com a experimental Cabeça, o paulistano teve que ouvir de críticos que precisaria de muito fôlego para dar continuidade àquela proposta. A reposta veio no ano seguinte, em seu primeiro LP.
- Uma obra sem ousadia se torna passageira. Sem coragem, não existe obra plena _ defende ele, aos 68 anos.
Franco acredita que a audácia é um elemento característico da juventude. Não por acaso, em 1973, a idade da turma oscilava entre os 20 e os 30 e poucos anos.
Um padrinho em comum
Roberto Menescal foi o responsável por contratar o quarteto Sérgio Sampaio, Raul Seixas, Fagner e Luiz Melodia na Phonogram. O elenco da gravadora comportava a maior parte dos grandes nomes da MPB, e chegou ao primeiro lugar de vendas em 1972. No ano seguinte, era a hora de apresentar ao público as novas apostas da casa.
Rolava o festival Phono 73. Fagner, Seixas e Sampaio estavam lá. Procurando canções para o novo trabalho de Elis Regina, Menescal acabou descobrindo Fagner, de quem a cantora gravou Mucuripe - a mesma faixa aparece em Manera Fru Fru, Manera, estreia em disco do cearense. O carioca Luiz Melodia teve a carreira impulsionada devido a canções dele incluídas em álbuns de Gal Costa e Bethânia.
Raul era produtor de Sérgio Sampaio. Menescal conheceu a dupla no FIC de 1972. No ano seguinte, Sampaio foi um sucesso imediato de vendas, mas não voltou a desfrutar de grande popularidade ao longo da vida. Morto em 1994, ele seguiu uma trilha marginal.
Oito estreias de luxo
Turma de 73
Há 40 anos, oito nomes essenciais da MPB lançaram seus primeiros discos
Entre eles, estão as estreias de Fagner, Luiz Melodia, Raul Seixas, Secos & Molhados e Gonzaguinha
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