A lista de instituições e indústrias que foram acusadas de esconder suas relações com o Terceiro Reich é longa e inclui vários governos, o Vaticano, Bancos Suíços e empresas americanas como a IBM, a General Motors e a DuPont.
Agora, um jovem historiador quer acrescentar um nome mais glamoroso à lista: Hollywood.
Em "The Collaboration: Hollywoods Pact With Hitler" (A colaboração: o pacto de Hollywood com Hitler, em tradução literal) Ben Urwand recorre a diversos documentos novos para argumentar que os estúdios de Hollywood, em um esforço para protegerem o mercado de filmes da Alemanha, não apenas aceitaram a censura nazista, mas cooperaram de forma ativa e entusiasmada com a iniciativa de propaganda global do regime.
- Hollywood não estava apenas colaborando com a Alemanha nazista. A indústria cinematográfica estava colaborando pessoalmente com Adolf Hitler - falando sobre os anos 1930, afirmou Urwand por telefone de Cambridge, Massachusetts, onde atualmente faz parte da prestigiada Society of Fellows da Harvard.
O livro de Urwand será publicado em outubro pela Harvard University Press, e foi lido por poucos especialistas. Contudo, sua pesquisa, que foi resumida em junho na revista online Tablet, já está criando um rebuliço.
- Acho que o que esse cara descobriu pode fazer muito barulho. Estou muito ansiosa para ler o livro. Parece-me impressionante a audácia da história que ele tenta contar - afirmou Deborah Lipstadt, historiadora do Holocausto na Universidade Emory.
Porém, outros especialistas familiarizados com o período questionam tanto a originalidade, quanto o a obscuridade sugerida pelo livro, a começar pelo título.
- A palavra 'colaboração', nesse contexto, é uma calúnia. Você usa essa palavra para descrever o governo de Vichy. Louis B. Mayer era um ganancioso, mas não era o equivalente moral de Vidkun Quisling - afirmou Thomas P. Doherty, historiador da Universidade Brandeis e autor do livro recente "Hollywood and Hitler: 1933-1939", que trata parcialmente do mesmo assunto.
Há muito tempo os historiadores sabem que o governo alemão flertou com Hollywood durante os "anos dourados" e esse tipo de atividade foi amplamente divulgado na imprensa da época. ("Os braços longos de Hitler chegam aos estúdios de Hollywood", dizia uma manchete da Newsweek em 1937.)
No entanto, Urwand, de 35 anos, fornece a informação mais pungente de todas, recorrendo a arquivos nos Estados Unidos e na Alemanha para argumentar que o relacionamento entre Hollywood e o Terceiro Reich era muito mais profundo - e duradouro - do que os especialistas sugeriam até agora.
Página após página ele mostra os chefes de estúdios, muitos dos quais eram imigrantes judeus, cortando as cenas dos filmes para agradarem autoridades nazistas; produzindo materiais que poderiam ser reutilizados facilmente pelos filmes de propaganda nazista; e, de acordo com um documento, ajudando a financiar a fabricação de armamentos na Alemanha.
Até mesmo Jack Warner, que foi elogiado por Groucho Marx por ser chefe do "único estúdio com coragem" depois de permitir a filmagem de "Confissões de um Espião Nazista", acaba passando por alguns apuros revisionistas.
Foi Warner que ordenou que a palavra "judeu" fosse retirada de todos os diálogos do filme "A vida de Émile Zola", de 1937, afirmou Urwand, em seu estúdio, ele foi o primeiro a convidar autoridades nazistas para Los Angeles para assistirem filmes e sugerirem cortes.
- Existe um mito que diz que os irmãos Warner lutavam avidamente contra o fascismo, mas eles foram os primeiros a tentar agradar os nazistas em 1933 - afirmou.
Urwand, acadêmico australiano cujos avós maternos eram judeus da Hungria e passaram anos escondidos, afirmou que o projeto começou em 2004, quando fazia graduação na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Ele leu uma entrevista em que o roteirista Budd Schulberg mencionava de passagem que Louis B. Mayer costumava se encontrar com o cônsul alemão em Los Angeles para discutir cortes nos filmes do estúdio. Ao sentir que aquele poderia ser um tópico para dissertação, ele começou a procurar mais informações.
Nos arquivos do Estado alemão, em Berlim, Urwand encontrou uma carta de janeiro de 1938 endereçada à filial alemã da 20th-Century Fox, perguntando se Hitler compartilharia suas opiniões sobre os filmes americanos, com a assinatura "Heil Hitler!", ao final.
Outras descobertas vieram em seguida, incluindo notas dos assessores de Hitler, que registravam suas reações aos filmes que assistia a cada noite (ele adorava o Gordo e o Magro, mas detestava "Tarzan"), e um caderno de notas no qual Jack Warner documentou um passeio pelo Rio Reno feito por ele e outros executivos do estúdio com acompanhantes aliados, no antigo iate de Hitler em julho de 1945, como parte de uma viagem em busca de oportunidades de negócios no Pós-Guerra.
- Essa foi uma das vezes em que eu acabei soltando um berro dentro do arquivo - afirmou Urwand.
O pesquisador também revelou registros detalhados das visitas regulares de oficiais alemães aos estúdios, incluindo Georg Gyssling, cônsul especial, enviado para monitorar Hollywood, que assistia aos filmes e ditava pedidos de cortes cena a cena e se envolvia em debates bizarros. ("King Kong", por exemplo, constituía "um ataque aos nervos dos alemães?") Além disso, Urwand encontrou registros de uma rede global de monitores que garantiam que os cortes haviam sido efetuados em todos os países, incluindo nos Estados Unidos.
Às vezes, filmes inteiros eram impedidos de serem lançados. Outros historiadores já haviam escrito sobre a batalha em torno de "The Mad Dog of Europe", um filme antinazista que havia sido planejado em 1933, mas recebeu oposição de grupos de judeus, pois oferecia o risco de gerar ondas de antissemitismo. Entretanto, Urwand, que descobriu o único roteiro conhecido, argumenta que os estúdios estavam preocupados apenas em preservar seus negócios na Alemanha.
- Temos um faturamento espetacular na Alemanha e, até onde sei esse filme nunca será feito - afirmou Louis B. Mayer segundo um dos processos.
A "colaboração" de Hollywood, argumenta Urwand, começou em 1930, quando Carl Laemmle Jr. da Universal Studios concordou com cortes significativos em "Nada de novo no front", após revoltas do Partido Nazista, que estava em ascensão na Alemanha. (Urwand reconhece que, mais tarde, Laemmle ajudaria centenas de refugiados judeus a conseguirem vistos para os Estados Unidos.)
Segundo o autor, a colaboração durou muito mais do que até novembro de 1938, quando a Kristallnacht chegou às manchetes de jornais do mundo todo.
Alguns especialistas, como Doherty, da Brandeis, apontam para o fato de que muitos filmes da época continham tapas velados na cara dos nazistas, mas que qualquer pessoa reconheceria esses sinais. E que, no campo privado, muitos chefes de estúdios iam muito além.
Steven J. Ross, professor de história da Universidade do Sul da Califórnia, está trabalhando em um livro que detalha a história desconhecida de um grande círculo de espiões antinazistas que começou a funcionar em Los Angeles em 1934, financiado pelos mesmos chefes de estúdios que editavam filmes para satisfazerem os oficiais nazistas.
- Os chefões que foram castigados por colocarem os negócios à frente da identidade e da lealdade judaica eram os mesmos que trabalhavam por trás das cortinas para ajudarem os judeus - afirmou Ross.
Porém, Urwand defendeu com unhas e dentes a ideia de uma "colaboração", destacando que a palavra (e seu equivalente alemão, "Zusammenarbeit") aparece diversas vezes em documentos de ambos os lados.
Ele fechou a cara depois de ouvir a sugestão de que Hollywood tinha um histórico melhor do que o de outros setores importantes em relação ao nazismo, sem falar no fato de que o Departamento de Estado havia impedido diversas vezes os esforços para expandir o número de vistos para refugiados judeus.
- O histórico do Departamento de Estado é atroz, mas o Departamento de Estado não financiou a fabricação de armamentos nazistas. Ele não distribuiu jornais falados favoráveis ao nazismo na Alemanha, nem se reuniu com autoridades nazistas para fechar negócios secretos - afirmou.
- Colaboração é o que os estúdios estavam fazendo e como eles a descrevem - acrescentou ele.