O tema lhe é muito íntimo e recorrente em sua obra. Lucia Murat, porém, costuma se debruçar sobre os anos em que o Brasil viveu à sombra do ditadura militar com um olhar múltiplo. Após o inventário familiar que realizou no premiado documentário Uma Longa Viagem (2011) - focado na relação de Lucia, ex-militante do grupo MR-8 que foi torturada e confinada em uma prisão por mais de três anos no começo dos anos 1970, com seus dois irmãos -, a diretora carioca apresenta em A Memória que me Contam um balanço afetivo das utopias de sua geração.
O registro é ficcional, mas Lucia trabalha com uma matéria-prima, além de suas vivências, que colocam esse seu novo filme em um plano histórico muito atual. A ideia do projeto, destacou a cineasta em recente passagem por Porto Alegre para promover o filme, vem do começo dos anos 2000, mas tomou impulso com a morte, em 2007, de Vera Silvia Magalhães, ex-guerrilheira que era sua grande amiga e que jamais se recuperou das sequelas psicológicas decorrentes das torturas sofridas na prisão.
Como uns conseguiram reconstruir sua vidas e outros não suportaram o trauma e surtaram? É uma pergunta que pontua o filme.
Vera ressurge em A Memória que me Contam na figura de Ana (vivida por Simone Spoladore), que agoniza em um hospital sob a vigília de seus ex-companheiros de luta, entre eles a cineasta Irene (inspirada na própria Lucia e interpretada por Irene Ravache). A imagem de Ana que interage com os demais personagens é um espectro dela quando jovem, como observadora dos rumos e destinos em que desembocaram os ideais revolucionários do grupo.
O painel de interesses do filme é amplo, e talvez resulte dessa ambição a irregularidade da narrativa. Nesse núcleo de velhos militantes, há os que amargam arrependimentos, os que seguem inflamados, os que têm olhar crítico sobre o idealismo um tanto ingênuo da juventude e o que virou ministro com a ascensão política da esquerda no Brasil - e tem poder para livrar da cadeia o amigo italiano acusado de terrorismo (papel de Franco Nero).
A Memória que me Contam aborda temas - alguns deles de forma premonitória - quentes no Brasil contemporâneo: do episódio Cesare Battisti à Comissão da Verdade. Sem querer olhar para o retrovisor, Lucia propõe ainda discutir sobre o que lutam os jovens de hoje e como os velhos defensores da liberdade se posicionam, por exemplo, diante de um filho homossexual. Bom tema para reflexão.
A Memória que me Contam
De Lucia Murat. Com Irene Ravache,
Simone Spoladore, Otávio Augusto, Franco Nero e Zécarlos Machado.
Drama, Brasil, 2013.
Duração: 100 minutos. Classificação: 16 anos.
Cotação: 3, de 5 estrelas
Em cartaz:
Cinebancários (15h, 17h, 19h)
Espaço Itaú 3 (13h50, 15h50, 19h50, 21h50)