Em dezembro de 1968 o escritor francês Georges Perec (1936 - 1982) publicou um curioso texto experimental sem pontuação repleto de repetições como este parágrafo que você está lendo era uma espécie de manual às avessas sobre como abordar seu chefe para pedir um aumento na verdade o texto não ensinava nada pelo contrário era um périplo kafkiano por um universo de possibilidades de acontecimentos.
Pois bem. Este texto, hoje disponível em livro, não é do tipo que você diria que dá uma peça de teatro. Primeiramente, é escrito na segunda pessoa ("... tendo tomado coragem você decide procurar seu chefe imediato para pedir um aumento..."). Depois, as diversas possibilidades que o autor enumera são uma espécie de não acontecimento. Como traduzir tudo isso para uma ação no palco?
Foi o desafio que o ator Marco Nanini e o diretor Guel Arraes resolveram enfrentar para celebrar 25 anos de parceria. O resultado é a peça A Arte e a Maneira de Abordar seu Chefe para Pedir um Aumento, que estreou em setembro de 2012 no Rio de Janeiro e será representada nesta sexta-feira e no sábado, às 21h, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. Apresentado pela associação de amigos do teatro e pelo Sistema Fecomércio-RS/Sesc, o espetáculo faz parte das comemorações de 155 anos do São Pedro e de 90 anos de Eva Sopher, que comanda a instituição.
Tomando emprestado o título do livro de Perec, o monólogo funciona como uma palestra de autoajuda - ou melhor, de antiajuda, já que nenhuma dica é efetivamente oferecida. Trata-se de uma comédia, mas com humor diferente do que esperariam os fãs de Lineu, personagem de Nanini na série televisiva A Grande Família, exibida na RBS TV. A Arte e a Maneira... tem uma ironia discreta, sutil. Mais do que uma peça, é um "exercício de estilo", como explica o ator por telefone:
- Tentamos alguns estilos de interpretação, alguns sentimentos, emoções. Não tem exatamente uma trama linear na qual o personagem se envolva. Muita gente do público estranha, outros adoram. Foi uma surpresa quando o espetáculo caiu no gosto de alguns espectadores.
Nanini volta a Porto Alegre depois de apresentar, em 2011, no Salão de Atos da UFRGS, o espetáculo Pterodátilos, com direção de Felipe Hirsch, no festival Porto Alegre Em Cena. É também um retorno do ator ao Theatro São Pedro, onde esteve com O Burguês Ridículo (1996), sua primeira parceria com Arraes (em direção compartilhada com João Falcão). Em sua atuação nas diferentes mídias, Nanini explica que busca um equilíbrio entre trabalhos de maior e de menor apelo popular:
- Precisamos um pouco disso (diversidade). Senão, emburacamos em um caminho e ficamos muito compartimentados. Fiz Pterodátilos, um trabalho estranho, provocativo, mas bem palatável. Foi um sucesso. Neste novo trabalho, achei que devia dar uma recuada para fazer uma coisa mais introspectiva, não tão popular.
Com tradução de José Almino, A Arte e a Maneira... foi gestado no Galpão Gamboa, na zona portuária do Rio. O espaço administrado por Nanini e pelo produtor Fernando Libonati abriga produções sem apelo "comercial", na expressão do ator. A curtíssima temporada do espetáculo em Porto Alegre chega em meio às manifestações em diversas cidades do país nos últimos dias. O ator vê relação entre a reivindicação do personagem do palco e dos personagens das ruas:
- Evidentemente, a peça tem a ver com esses protestos ou com outras reivindicações que não motivaram manifestações. Faz parte do cotidiano de uma sociedade em que você dependa do dinheiro para viver. Me parece que está todo mundo querendo transporte, hospital, condições de vida melhores.
Um texto experimental
Leia o início do texto de Georges Perec, publicado pela primeira vez em 1968, que motivou a peça, com tradução de Bernardo Carvalho para a editora Companhia das Letras. A adaptação teatral do diretor Guel Arraes e do ator Marco Nanini tem tradução de José Almino.
Tendo refletido judiciosamente tendo tomado coragem você decide procurar seu chefe imediato para pedir um aumento vai então procurar seu chefe imediato digamos para simplificar que ele se chame senhor xavier isto é senhor ou melhor sr x então você vai procurar o sr x e das duas uma ou bem o sr x está na sala dele ou bem o sr x não está na sala dele se o sr x estivesse na sala dele não haveria aparentemente nenhum problema mas é claro que o sr x não está na sala dele e a você não resta portanto nada a fazer além de aguardar à espreita no corredor a volta ou a chegada dele mas suponhamos não que ele não chegue nesse caso só lhe restaria uma solução retornar à sua própria sala e esperar a tarde ou o dia seguinte para recomeçar sua tentativa (...)
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Fábio Prikladnicki
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