
A beatlemania em efervescência, Elis Regina rumo ao estrelato nacional, o cinema brasileiro em Cannes, Bibi Ferreira no sucesso My Fair Lady. O ano de 1964 foi de transformações na cultura. No plano internacional, estava sendo gestado o ambiente social que desaguaria, pouco tempo depois, nos movimentos de maio de 1968 e em Woodstock, em 1969. No Brasil, era o primeiro ano da ditadura militar, véspera de uma movimentação cultural que culminou, a partir de meados da década, na geração da MPB de Caetano, Chico, Gil, Milton e companhia. Para lembrar os 49 anos de criação de Zero Hora, o Segundo Caderno mostra o que ocorria na cultura em 1964.
Bibi, a querida dama
Em 1962, Bibi Ferreira - pioneira do teatro musical no país - estrelou uma versão brasileira de My Fair Lady que faria história. Também estavam no elenco Paulo Autran, Jaime Costa, Elza Gomes e Sérgio Viotti. A montagem esteve no Teatro Leopoldina, em Porto Alegre, em 1964. Bibi já era uma estrela. A coluna de Gilda Marinho em Zero Hora registrou, em maio, que a atriz "encantou-se com Rui, como costureiro e como pessoa", encomendando-lhe um vestido de gala e um tailleur. O ano de 1964 também teve My Fair Lady no cinema. A trama foi interpretada por Audrey Hepburn e Rex Harrison. O filme ganharia o Oscar no ano seguinte.
Em 1964
> O grupo Comediantes da Cidade, que já havia montado A Bilha Quebrada e História do Zoológico, apresentou Tartufo, de Molière, no Theatro São Pedro, em maio.
Jovens descabeladas e histéricas
John. Paul. George. Ringo. Fãs alopradas gritando histericamente. Assim era a nada mole vida dos Beatles em 1964. Foi o ano de A Hard Days Night - a música, o disco e o filme, este lançado no Brasil com o título Os Reis do Iê-Iê-Iê.
Enquanto isso, outros ingleses se preparavam para também mudar a história do rock. Eram os Rolling Stones, que lançaram em 1964 o primeiro disco, intitulado com o nome da banda. O LP trazia covers, como Route 66, e uma das primeiras composições de Jagger e Richards: Tell Me (Youre Coming Back).
Em 1964
> No primeiro ano da ditadura no Brasil, Nara Leão realizou o histórico e politizado show Opinião, no Rio, ao lado de Zé Kéti e João do Vale.
> Foi um ano prolífico para Bob Dylan, que lançou os discos The Times They Are a-Changin e Another Side of Bob Dylan.
> Entre as perdas de 1964, estiveram a de Ary Barroso, autor de Aquarela do Brasil e outros clássicos da música brasileira; Cole Porter, ídolo do jazz e compositor fartamente interpretado até hoje; e Sam Cooke, símbolo da música negra norte-americana.
O talento vigoroso de Xico Stockinger
A exposição individual de esculturas que Xico Stockinger realizou no Hotel Plaza, em Porto Alegre, sinalizava um talento em ascensão. Depois de morar em São Paulo e no Rio, o artista havia se radicado em Porto Alegre em 1954. No início dos anos 1960, fundou o Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre. Sobre a exposição de 1964, a colunista de Zero Hora Gilda Marinho registrou: "Francisco Stockinger é um dos mais vigorosos talentos na escultura no Brasil. Tem recebido numerosos prêmios, e seus trabalhos têm sido admirados no Exterior, como na Bienal de Carrara, Itália."
Em 1964
> Com o título "A pintora do mundo das crianças", Zero Hora noticiou, em maio, exposição individual da artista plástica Alice Soares na galeria Luiz Fernandes.
Elis ganha o Brasil
Então uma estrela em ascensão, Elis Regina deixou Porto Alegre rumo ao Rio em março de 1964. No início da década, havia recebido proposta de Maurício Sirotsky Sobrinho, fundador do Grupo RBS, para deixar o Clube do Guri e se tornar uma das atrações de seu programa na Rádio Gaúcha. Elis já havia gravado discos como O Bem do Amor (1963), mas ainda era um fenômeno local. Em maio de 1964, assinou contrato com a TV Rio.
Em 1964
> Na capital carioca, a Jovem Guarda ia de vento em popa. Naquele ano, Roberto Carlos lançou o disco É Proibido Fumar, com canções como O Calhambeque e a música-título. O ano seguinte foi o de sua consagração, quando começou a apresentar o programa de TV ao lado de Erasmo e Wanderléa.
Nobel, só que não
No mesmo ano em que publicou As Palavras, autobiografia que enfocava sua infância dos quatro aos 11 anos, o francês Jean-Paul Sartre foi anunciado como o laureado com o Nobel de Literatura pela Academia Sueca. O autor recusou o prêmio, amparado em suas convicções pessoais de que a tarefa do escritor não deveria contemplar a aceitação de recompensas oficiais.
Em 1964
> Clarice Lispector publicou um de seus livros mais marcantes: A Paixão Segundo G.H.
> As memórias de Hemingway dos anos 1920, em Paris É uma Festa, saem em edição póstuma.
> Cecília Meirelles lançou o livro infantil Ou Isto ou Aquilo. Morreu em novembro daquele ano.
Deus, o Diabo, Glauber e Nelson
Apontados por parte da crítica como os dois mais importantes longas-metragens brasileiros do século 20, Vidas Secas e Deus e o Diabo na Terra do Sol tiveram sua première internacional no Festival de Cannes, em maio de 1964. Os dois filmes, dirigidos respectivamente por Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, logo foram associados a outra obra-prima, Os Fuzis, que o diretor Ruy Guerra lançara em 1963, compondo o que até hoje é conhecido como a Trilogia do Sertão.
Em 1964
> Foi naquele ano que o diretor Sergio Leone e o ator Clint Eastwood lançaram Por um Punhado de Dólares, marco inicial do Western Spaghetti.
> Ano profícuo na produção de filmes que se tornariam clássicos do cinema, como Dr. Fantástico, de Kubrick, e Bande à Part, de Godard.
A autora da ideia
Caroline Freitas, 24 anos, estudante de Jornalismo de Canoas
"Há 49 anos, ninguém poderia imaginar que, no futuro, teríamos acesso à música sem precisar comprar um disco, ou que só comprariam discos colecionadores e saudosistas. O mundo mudou, e a cultura também. Hoje, temos muita tecnologia à disposição e é possível assistir a sua série favorita na tela do seu smartphone. Mas, bem antes dessas inovações tecnológicas, o que as pessoas tinham como opção cultural? Direcionei minha sugestão para o Segundo Caderno, pois sei que inúmeros leitores de ZH têm a mesma curiosidade. Então, pergunto: o que fazia sucesso há quase cinco décadas? O que era moda em música? Quais eram os filmes em cartaz e as peças de teatro mais legais? Espero que ZH resgate essa memória e faça para seus leitores um breve retrato cultural da época."