
As caixas de vinho e os rolos de fita crepe acabaram porque comecei a encaixotar os últimos e melhores livros da biblioteca dos meus filhos.
Fazia tempo que precisava cumprir essa tarefa. Agora eles já têm 13 e 15 anos e não lemos juntos há anos. Guardamos essa última pilha de livros por pura nostalgia. Sendo assim, levá-la para o sótão não devia ser grande coisa, mas é.
No passado, quando precisei guardar minha biblioteca pessoal, o que encaixotei foram talismãs de uma experiência intensa, ainda que essencialmente privada. Livros infantis são diferentes: quando guardamos essas coisas quadradas, com orelhinhas de cachorro e marcas de gordura de pipoca, precisamos confrontar um universo de memórias coletivas.
Já que minha esposa e eu lemos esses livros inúmeras vezes em voz alta - em tom cômico, exaustos, e ocasionalmente inebriados - para nossos filhos, as palavras e imagens ganharam um lugar cativo em nossas mentes. Esses livros ocupam um espaço na consciência compartilhada pela família, como férias de verão, idas ao hospital e passarinhos doentes tratados em caixas de papelão.
São poemas bons, estranhos e misteriosos que decoramos e carregamos em nossas mentes. Eles nos fazem lembrar de algumas das melhores coisas da vida - cabelo molhado, pijama limpo, o fim de uma jornada de trabalho. Eles são os últimos livros que nós quatro provavelmente iremos ler ao mesmo tempo. Nosso incrível clube do livro chegou ao fim.
Mas felizmente, nosso clube teve a sorte de contar com Eden Ross Lipson.
Eden era a antiga editora de livros infantis do The New York Times Book Review, uma lenda do setor que morreu em 2009. Quando meus filhos eram pequenos, eu trabalhava como editor na seção de resenhas de livros do jornal e tive a sorte tremenda de minha mesa ficar bem ao lado da dela.
Uma das coisas que Eden sempre dizia é que só era possível dizer se um clássico infantil havia nascido depois de uma ou duas gerações. A questão não é se você vai ler o livro para o seu filho, mas se o seu filho vai lê-lo para o dele e assim por diante.
Minha esposa, Cree, e eu sempre demos preferência aos livros que marcaram nossa infância, livros que não podíamos esperar para ler para os nossos filhos. Mas Eden sempre estava por perto para me mostrar uma ou duas coisas novas - Tome - ela dizia - esse escritor fez um negócio muito legal. Ou - Dwight, acho que sua filha finalmente está pronta para isto aqui. E alguns desses livros se tornaram muito queridos para todos nós.
Um deles era "The Giant Ball of String" (O novelo de lã gigante, de 2002), com texto e desenhos de Arthur Geisert. Nós lemos esse livro até ele quase desmanchar. Ele conta uma fábula moral sobre amor, roubo, malícia e justiça. Dá para imaginá-lo nos cinemas: uma vingança infantil dirigida por Wes Anderson.
Outro deles era "The Day the Babies Crawled Away" (O dia em que os bebês foram embora, de 2003), escrito por Peggy Rathman. Por que será que alguns livros infantis fisgam a gente como anzóis? Para nós, esse foi um desses livros: quase não tinha história - fala de bebês que engatinham para longe dos pais em uma feira e sobre o menininho que os segue e consegue salvá-los.
Mas ele é lindo e envolvente: são sombras escuras contra o céu neon do fim da tarde. Há muitas notas engraçadas, como o bebê que aparece de ponta cabeça em quase todas as páginas do livro. Crianças adoram olhar para desenhos bagunçados em busca de detalhes imprevisíveis. Nossos filhos o apelidaram de "bebê morcego".
Eden também me deu o livro "Epossumondas" (2002), de Coleen Salley, com ilustrações de Janet Stevens. Ele é baseado em conto sulista e é hilário.
Eu sempre acabava lendo a história em voz alta - espero que meus amigos do sul me perdoem por isso - com o sotaque caipira bem falso que Mick Jagger usou na música "Far Away Eyes". O livro fala de um gambá que é o "queridinho da mamãe e da titia".
Os outros livros em nossa pilha de favoritos nós descobrimos por conta própria.
O livro "Little Polar Bear" (O ursinho polar, de 1987), de Hans de Beer, é um conto espirituoso e melancólico que meus filhos adoravam escutar quando haviam parado de usar fraldas.
Também gostávamos do livro "Os lobos dentro das paredes" (2003), de Neil Gaiman e Dave McKean, com animais festeiros, verdadeiras bolas de pelo malandras que pareciam tiradas de um desenho de Ralph Steadman, ou de uma canção de Warren Zevon.
É um prazer incrível observá-los enquanto se divertem e testemunhar o momento em que recebem o castigo merecido. O refrão do livro era proferido pelos pais descrentes da menininha - Se os lobos saírem das paredes, tudo vai acabar.
O livro brilhante e surreal de Mark Alan Stamaty "Who Needs Donuts?", de 1973, também entra na lista dos que acabo de guardar. Stamaty tatua toda e qualquer superfície do livro com imagens surreais e incrivelmente detalhadas. O livro foi reeditado por Alfred A. Knopf em 2003 e merece se tornar um clássico.
Esse é um dos livros que li pelo menos 500 vezes para meus filhos. Até hoje não podemos passar em frente a uma loja da Dunkin' Donuts sem que alguém repita melancólica ou sarcasticamente a questão principal do livro - Quem precisa de donuts, quando temos amor?
Também não podemos nos esquecer de "The Train They Call the City of New Orleans" (O trem que chamam de Nova Orleans, de 2003), que é pouco mais que a letra do clássico de Steve Goodman de 1970 ilustrada por Michael McCurdy. Que ideia ótima. Dá vontade de ficar cantarolando para os filhos ao invés de ler.
Quando nossos filhos eram pequenos, não líamos livros só na hora de dormir. Uma das melhores invenções de Cree foi a "festa do livro com pipoca". Era assim que se fazia a festa: a) Primeiro prepare a pipoca. b) Faça uma pilha com os melhores livros de seus filhos. c) Grite - é hora de ler e comer pipoca! d) Deem um jeito de o livro acabar ao mesmo tempo em que a pipoca.
Líamos muitos clássicos para nossos filhos, mas omitimos de propósito autores como Esopo, os irmãos Grimm, Dr. Seuss e outros clássicos. Eles não precisam de nossa ajuda.
É muito bom poder falar de livros menos conhecidos que tenho certeza que passarão pelo teste de Eden. Algum dia meus filhos vão abrir essas caixas, sorrir de alegria e ler esses livros para meus netos.