O capixaba Rodrigo Aragão trabalha com um dos gêneros mais populares do cinema, e suas produções têm competência técnica e capacidade de diálogo com o grande público que lota as salas de shopping para ver filmes de terror americanos. Mas pouca gente conhece os longas-metragens de Aragão, realizados com pouca grana (zero de leis de incentivo) e muita criatividade.
Como em 2011, quando apresentou A Noite do Chupacabras, Aragão foi convidado para abrir o Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa, e mostrar em primeira mão, nesta sexta-feira, sua mais recente produção: Mar Negro terá duas sessões no CineBancarios, às 19h - com presença do diretor e equipe para debate - e às 21h15min.
Aragão também começou pela Capital a carreira de Mangue Negro (2008), início da violenta e divertida trilogia - completada por A Noite do Chupacabras e Mar Negro - que bem ilustra a vivacidade do pouco prestigiado horror nacional.
Em 2011, a sessão de abertura do Fantaspoa, com A Noite do Chupacabras, foi um das mais concorridas do festival, com CineBancários lotado e gente sentada pelos corredores. Tanto o público quanto os realizadores ali presentes ficaram impressionados com a qualidade de um fime de monstro realizado com apenas R$ 150 mil, em regime de mutirão entre amigos.
Como nos filmes anteriores, Aragão combina em Mar Negro as ferramentas do terror clássico com elementos regionais (como lendas ancestrais e trilha sonora) e para criar uma obra muito original. Aqui, seu universo mítico habitado por criaturas medonhas e famintas assombra uma vila de pescadores no litoral brasileiro.
O banho de sangue e a veracidade dos mostrengos e zumbis criados artesanalmente ratificam o trabalho de Aragão como um dos principais profissionais do Brasil em trucagem e maquiagem - a oficina que ele irá ministrar no Fantaspoa teve ingressos esgotados rapidamente.
A pedido de ZH, o crítico de cinema e especialista em cinema fantástico Cristian Verardi, editor do blog Cinema Ex Machina, dá um depoimento sobre Aragão. Cristian conhece o diretor como fã, espectador e também como ator, pois fez participaçoes especiais em A Noite do Chupacabras e Mar Negro (neste, é ele o figuraça detonando tudo na foto acima):
"Conheci Rodrigo Aragão em 2008, durante o lançamento de Mangue Negro no quarto Fantaspoa. Apesar das notícias de que um jovem realizador capixaba estava produzindo um filme de zumbis com recursos próprios, Mangue Negro era uma verdadeira incógnita, ninguém sabia o que esperar.Ao final da sessão, o público estava extasiado com o que acabara de ver. Os fãs de horror foram pegos de surpresa com uma produção de baixíssimo orçamento com excelentes efeitos de maquiagem, que honrava o gênero e assimilava em sua estrutura narrativa elementos típicos do nosso folclore. As dificuldades técnicas de uma produção com orçamento limitado eram superadas com uma trama ágil e bem-humorada influenciada nitidamente pelos filmes gore dos anos 1980.
Apesar de ainda não ter atingido a condição mítica de um diretor seminal para o horror nacional, como José Mojica Marins, hoje é inegável a importância de Rodrigo Aragão para o cinema de gênero brasileiro. Aragão sintetiza o espírito do que é ser cineasta independente no Brasil, sempre lutando contra a falta de apoio, fazendo milagres com o baixo orçamento disponível e precisando lidar com a burocracia ditatorial dos editais e a incompreensão de uma parcela do público que ainda vê o cinema nacional em geral com maus olhos, ainda mais em se tratando de um gênero maldito por natureza como o horror. Os motivos pelos quais seus filmes, apesar do apelo popular, não chegam às salas de cinema do Brasil são complexos de serem analisados. Mangue Negro e A Noite do Chupacabras foram comercializados em diversos países da Europa e, mais recentemente, no Japão. No entanto, só foram lançados no mercado brasileiro de forma independente, após lidar com a falta de interesse dos grandes distribuidores.
Fala-se muito que o fato de não existir uma tradição de cinema de horror no cinema nacional talvez seja um dos fatores, mas existe um nicho jovem que consome avidamente o gênero e que está de forma gradativa modificando esse pensamento. Acho que hoje o maior problema esteja na cegueira comercial das grandes distribuidoras, que não percebem essa mudança comportamental do público. Se filmes como A Noite do Chupacabras não chegam ao mercado brasileiro, fica complicado de o espectador criar seus próprios parâmetros, quando lhe são impostos apenas produções enlatadas do horror americano. Mar Negro talvez seja a consolidação do cinema proposto por Rodrigo Aragão, um obra de horror tipicamente brasileira, mas com um apelo universal. O desafio agora é ter a chance de sair do underground para ter a aprovação do grande público."